Meritocracia, capitalismo e socialismo

Meritocracia
A ideia central quando se fala em "meritocracia" é um sistema que recompense as pessoas conforme o mérito delas. E o que exatamente seria "mérito"? A definição de "mérito" no Michaelis nos diz "o mesmo que merecimento" e "merecimento" nos leva a "qualidade que torna alguém digno de prêmio ou castigo".

E tudo isso nos leva à seguinte conclusão: nenhuma! Continuamos sem saber: qual é a qualidade que torna alguém merecedor de receber alguma coisa boa?

O universo em si não parece nos dar alguma dica de que qualidade seria essa, Pessoas obtêm os mais diversos resultados a partir das mesmas qualidades. Uma pessoa pode trabalhar duro e uma seca simplesmente arruinar seu trabalho; outra pode não se esforçar em nada e ganhar na loteria; uma terceira pode viver a vida toda só fazendo o bem e acabar sendo atropelada.

Como Dr. House enunciou brilhantemente em um episódio da série:

"As pessoas não ganham o que elas merecem. Elas ganham o que elas ganham.
Não há nada que algum de nós possa fazer sobre isso."

O universo não é meritocrático no sentido de "trazer coisas boas na medida em que alguém mereça coisas boas". (Ou pelo menos ninguém conseguiu identificar ainda o que significa "merecer" na ordem natural das coisas).

Nós geralmente não aceitamos a segunda parte do que House diz, e tentamos fazer alguma coisa sobre, propondo e tentando viver sob sistemas que recompensem o que consideramos meritório. Meritocracia é, portanto, um sistema humano, artificial. Sendo assim, nenhum sistema (nem capitalismo, nem socialismo, nem nenhum outro) vai conseguir implementar esse ideal de "recompensar o mérito" 100%.

Mas afinal, o que consideramos meritório?

No sentido mais popular, considera-se merecedor de alguma coisa quem tenha se esforçado por ela. Assim, se uma pessoa ganha um bom emprego apenas por ser filho de alguém, dado que "ser filho de alguém" não representa esforço próprio nenhum, dizemos que esse tipo de contratação não é meritória. Porém esta lógica já não parece muito adequada quando, num vestibular, um candidato que estudou 3 horas por dia por um método eficiente consegue a vaga enquanto um candidato que estudou 12 horas por dia com baixo aproveitamento disso não consegue a aprovação. Certamente o segundo se esforçou muito mais, fez muito mais força que o primeiro, mas o primeiro ainda estava mais apto à vaga, porque tinha os conhecimentos necessários no fim das contas. Também não acharíamos que alguém que passasse 27 horas cavando um buraco e depois outras 20 horas tapando-o fosse digno de qualquer prêmio, apesar do grande esforço que ele sem dúvida empenhou nesta tarefa.

Assim, vê-se que o "esforço" em si não é exatamente a qualidade que torna alguém digno de recompensas.

Com as considerações acima pretendo apenas mostrar que a ideia popular de "esforço" é insuficiente; não pretendo neste post encontrar a qualidade única que deve compor a meritocracia — se é que há uma, na verdade. Em vez disso, gostaria de avaliar quais são as qualidades que dois sistemas, capitalismo e socialismo, recompensam e qual dos sistemas promove algo mais alinhado com o que desejamos.

Meritocracia e Capitalismo
O capitalismo é baseado na propriedade privada, o que significa que a única forma de obter algo de alguém é voluntariamente, através de trocas que ambas as partes concordem em efetuar.

A atitude meritória no capitalismo, isto é, a qualidade que tende a gerar recompensas neste sistema, portanto, não é "suar a camisa" nem "fazer força". No capitalismo o mérito está em melhor satisfazer as necessidades dos outros, ao produzir coisas que eles desejam e pelas quais estão dispostos a te remunerar para obterem.

Um sujeito vai se tornar rico no capitalismo na medida em que disponibilizar às pessoas bens ou serviços com alta produtividade. Num sistema capitalista, na verdade, a produção de riquezas se torna um componente fundamental do mérito em vez do mero "esforço". Usar uma máquina que cava um buraco em 30 segundos traz mais recompensa do que cavar o mesmo buraco com uma colher de plástico levando 36 horas de puro esforço — o que reflete o fato de que nós valorizamos mais é a solução do problema em si.

Meritocracia e Socialismo
Para discutir quais seriam as implicações de um sistema socialista na meritocracia, me referirei a algumas das propostas do socialismo, enunciadas pelo colega Ricardo Nery.

"o socialismo vai eliminar ou mitigar o direito de herança. Isso impede que alguns indivíduos, sem mérito pessoal (mas apenas pelo fato de terem nascido em família rica), partam em vantagem sobre outros."

O problema aqui é que para evitar a "injustiça" da herança o socialista está dizendo, precisamente, que aquele que construiu a fortuna não é livre para fazer com ela o que quiser — porque ele não pode passá-la aos filhos ou a quem quiser, nem depois de morto (e supõe-se que nem antes, ou a regra seria burlada de forma óbvia). Deixando de lado o absurdo prático de proibir a transferência de propriedade, mesmo assim isso já destrói totalmente a questão do mérito que o socialista queria ajustar, pois a fortuna é a recompensa pelo mérito de quem a construiu, e proibir a pessoa de dispor livremente de sua recompensa é destruir a noção de recompensa, e sem recompensa não há meritocracia.


"O socialismo também estabelecerá um só sistema de educação - sob controle estatal -, vedadas outras formas de educação diferenciadas para quem pode pagar mais. Isso impõe maior igualdade de condições entre os cidadãos."

Do ponto de vista de uma sociedade que deixe os resultados vinculados só ao esforço pessoal, eliminando o "resto" o máximo possível, esse até faz sentido, embora na prática esse ideal de igualdade seja inalcançável. O problema seria sob outro aspecto: como é que o mérito seria avaliado na hora de eleger a melhor forma de educar, na hora de FORMULAR e ATUALIZAR o programa dessa educação estatal? pois se não haveria competição, como poderíamos descobrir qual das alternativas traz melhores resultados? E se criássemos turmas para pôr a teste os métodos, então já teríamos pessoas sendo formadas diferentemente em nome de ninguém ser formado diferentemente.

No fim das contas, talvez nós até tivéssemos um sistema bem igualitário, mas a igualdade típica das experiências socialistas: todos igualmente ruins e estagnados. Não, obrigado.

"Além disso, o socialismo elimina o elemento de risco inerente na livre iniciativa. Sorte não é mérito. E no capitalismo o elemento "sorte" entra na conta do sucesso, mesmo que não isoladamente."

Ainda existe risco e sorte no socialismo. O que ele poderia oferecer nesse aspecto é distribuir a conta dos fracassos dentre todo mundo. Por exemplo, se uma seca destrói a plantação de milho, em vez de só quem plantou o milho arcar com o prejuízo, a conta é dividida dentre todos.

Mas aí vem o problema: se o cara que planta milho não deve pagar porque não tem culpa, QUANTO MENOS EU!

"E o que dizer então da possibilidade de viver do capital (ao invés do trabalho)? Viver de rendimentos, investimentos, aluguéis, etc. O socialismo acaba com tudo isso."

Rendimentos, alugueis e investimentos precisam de poupança para serem obtidos. E poupança é um sacrifício. Você se abstém de consumir para poupar. Este dinheiro parado não rende nada, você só pode "viver dele", sem o estar consumindo diretamente, na medida em que disponibiliza o que você poupou para outros, que não pouparam, poderem usar essa poupança para produzirem. É com parte do que eles produzirem que eles poderão te pagar os tais juros do qual você pretende viver. A atividade de poupança é, portanto, essencial, bela e moral para o desenvolvimento econômico e merece ser recompensada — como de fato é no capitalismo.

Conclusão
Podemos não saber qual é a qualidade que merece recompensas, se é que existe alguma única. Mas pudemos ver ao longo desse post que, não só não fica claro que tipo de qualidade o socialismo promoveria, como parece evidente que ele inclusive nem consegue ser um sistema que mede nem que permite a existência de prêmios para qualidades.

Por fim, a crítica de que o capitalismo não é meritocrático só se sustenta quando supomos que a qualidade do mérito é o "esforço bruto", mas também vimos que não há bons motivos para achar que "esforço" sozinho é uma qualidade meritória.

Ética e direitos animais (1) - Crítica à abordagem jusnaturalista


Nesta série de artigos investigaremos as teorias libertárias mais usadas para negar direitos a animais, verificando se elas realmente se sustentam. Começaremos pela abordagem jusnaturalista. (este post foi atualizado em março de 2020. Nada foi removido, houve unicamente acréscimos).

No post "Por que nenhum animal tem o direito de não ser caçado", Luciano Takaki nos dá uma visão geral dessa proposta:
"Como bom jusnaturalista acredito apenas nos direitos naturais: vida, liberdade e propriedade. Os animais não têm noção desses direitos e aceitar que eles têm, não apenas é nos colocar no mesmo nível deles, mas também é nos negar o direito de usufruir de recursos que são oriundos dos seus corpos. Não apenas da carne, mas de ossos, couro, pelo, plumas, etc. Em A Ética da Liberdade, Murray Rothbard já argumentou logo no início do capítulo sobre os “direitos” dos animais que se os animais tivessem direitos não poderíamos matá-los nem pra comê-los. Fora que eles não possuem nenhuma noção de responsabilidade, tal como não pertencem a mesma espécie que a gente, e a preservação da nossa espécie deve ser priorizada, já que não priorizar seria o equivalente a abrir mão dos nossos direitos." 
A proposta desenvolvida por Rothbard é, a partir de uma análise da natureza humana, encontrar uma ética que permita aos humanos viverem de acordo com tal natureza. Nas palavras dele mesmo, “a ética da lei natural declara que o bom ou ruim para o homem pode ser determinado pelo que satisfaz ou impede aquilo que é melhor para a natureza humana”; assim, trata-se de uma ética “para humanos”, “relativa à espécie”, “uma ética de direitos para a raça humana”. (Note que não temos aqui uma mera interpretação minha: tudo isso está definido explicitamente de início pelo próprio autor).

Perceba, portanto, que a análise centrada na "natureza humana" não é uma conclusão a que Rothbard chega, e sim o ponto de partida que ele mesmo escolhe adotar. Então a “ética” que Rothbard pode alcançar com tal método não trata de certos e errados em sentido geral; o que podemos ter a partir do raciocínio específico dele é uma ética específica, similar a outras éticas que tratam de contextos específicos, como as de classes profissionais (“ética da advocacia”, “ética médica” etc), ou éticas situacionais (“ética desportiva”): assim como nesses casos, na ética rothbardiana teremos regras para regular não o comportamento como um todo, mas apenas o de um grupo e em suas relações intra-grupo — nas palavras do próprio Rothbard, regras para “o emprego apropriado ou inapropriado da violência física nas relações humanas.

O problema óbvio é que o caso dos direitos animais não trata de relações entre humanos, e sim de relações frente a animais. Ora, um teorema sobre relações entre, por exemplo, ângulos em triângulos, nada terá a dizer quando o assunto forem círculos; pelo mesmo motivo, uma teoria com regras intra-espécie, produzida tendo em vista a natureza dos membros daquela espécie, para as relações daqueles membros entre si, nada pode ter a dizer sobre relações inter-espécies. Por isso, necessariamente, qualquer tentativa de opinar sobre direitos animais com base na ética rothbardiana é simplesmente e inescapavelmente dar palpite fora do escopo.

É claro que "uma ética de direitos para a raça humana" é, por definição, só para os humanos. Qualquer um pode propor éticas específicas/grupais assim à vontade, mas daí a afirmar que a ética como um todo é limitada à espécie são outros quinhentos. Dito de outra forma, consideremos a concepção de ética como “regras para solucionar conflitos”, por exemplo, bastante popular no meio libertário: qualquer um pode escolher apenas uma parte dos conflitos para analisar, mas isso evidentemente não autoriza esse sujeito a decretar um vale-tudo nos conflitos deixados de fora pela decisão dele mesmo de deixá-los de fora. Portanto, de onde diabos Rothbard tirou que direitos naturais são só para humanos, que fora da ética grupal que ele propôs não há mais nada? De lugar nenhum. Esse é o ponto que ele precisava fundamentar mas não fundamenta nunca.

Convém comentar também que o problema Rothbardiano é mais amplo. Apontamos que o método adotado por ele permite chegar a regras para as relações de um grupo; mas que grupo a “Ética da Liberdade” considera? Na cabeça de Rothbard e seus defensores, a resposta é “o grupo dos humanos”. Mas só na cabeça deles: apesar de falar o tempo todo em “natureza humana”, Rothbard não leva em conta nem mesmo a natureza humana em sua completude na hora de propor sua ética. Numa prática que podemos chamar de “naturalismo seletivo”, ele propõe regras conforme apenas traços humanos específicos (a saber, os relacionados à “cooperação e divisão social do trabalho para produção econômica”, como veremos a seguir), descartados todos os demais traços — a despeito de estes também comporem a natureza humana.

Por esse motivo, a “ética humana” de Rothbard não é nem ética absolutamente, nem sequer humana totalmente: a frase de que sua ética traria regras para “o emprego apropriado ou inapropriado da violência física nas relações humanas” precisa ser ajustada: temos na verdade uma “ética para as relações daqueles que tenham capacidade de participar na divisão social do trabalho”, isto é, regras para as relações entre capazes — deixados fora do escopo, portanto, não só os animais, mas também os incapazes em geral, isto é, os incapazes humanos. No resto do post voltarei a tratar apenas de animais, porque esse é o foco da série, mas note que todas as observações valem para os incapazes como um todo, sejam animais ou incapazes humanos.

Feito esse comentário e voltando à questão do escopo, há apenas uma conclusão aqui: quando Rothbard diz em seu versículo 21 que “animais não têm direitos”, ele não pode estar dizendo nada realmente sobre direitos dos animais, e sim apenas sobre a (limitação de) cobertura de sua própria ética específica. Ele não pode dizer se animais têm direitos ou não, e sim apenas que a ética dele não fala sobre animais. Dessa forma, comentarei o capítulo do livro dele apenas para expor suas incoerências e capeguinces. não por necessidade.

Passemos então à análise ponto a ponto de Rothbard, versículo 21: Os "direitos" dos animais (repare nas aspas jocosas que ele coloca em direitos e acompanhe o fracasso dele em fazer jus a elas).

Rothbard começa dizendo que
"Logicamente, existem muitas complicações com este posicionamento [de que animais têm direitos], incluindo como se deve chegar a algum critério sobre quais animais ou seres vivos devem ser incluídos na esfera de direitos e quais deixar de fora. (Por exemplo, não existem muitos teóricos que iriam tão longe quanto Albert Schweitzer e negariam o direito de qualquer um de pisar em uma barata. E, se a teoria fosse estendida além de seres conscientes para todos os seres vivos, como bactérias e plantas, a raça humana iria extinguir-se rapidamente)."
Bem, que seríamos extintos ao “estender-se a teoria a todos os seres vivos”, é no máximo um argumento para... não se estender a teoria a todos os seres vivos, não nos dizendo nada sobre aplicá-la, então, apenas aos animais, que é a proposta em discussão. E se fosse aplicada a todos os animais então? Nesse caso, a raça humana não iria se extinguir, poderia talvez ter seu número reduzido. Ou talvez nem isso, segundo estudos que indicam que a produção de carne é, na verdade, mais custosa do que a de vegetais. Mas mesmo que fôssemos ser todos extintos: e daí? Estamos falando de certo e errado absolutos aqui ou de consequencialismos?

A expressão latina argumentum ad consequentiam ("argumento por consequência") descreve um argumento que tenta declarar-se como verdadeiro ou falso em função das consequências desejadas ou indesejadas a que ele conduz. Um exemplo disso seria alguém declarar que "hoje não vai chover porque se chovesse arruinaria meu dia". Ou um vendedor de escravos dizendo "escravidão é correta porque sem escravos eu não continuaria ganhando dinheiro". Porém o clima não varia conforme sua satisfação, nem a eticidade de condutas flutua conforme os ganhos pessoais de um sujeito.

Na mesma linha o argumento de Rothbard e ecoado por Takaki de que "animais não têm direitos porque se tivessem não poderíamos usufruir de recursos que são oriundos de seus corpos": talvez não pudéssemos mesmo manter nosso estilo de vida atual se só pudéssemos nos alimentar e usar recursos de animais mortos naturalmente. Mas isso não quer dizer nada quanto à moralidade de matar animais. Se pudéssemos, por exemplo, capturar humanos para serem cobaias medicinais, usufruindo de recursos oriundos de seus corpos, provavelmente a medicina já teria avançado muito mais, e isso não quer dizer que a prática seja correta.

Ao tentar justificar sua posição ética com base em complicações para nossa vida e consequências desagradáveis que não segui-la geraria, o jusnaturalista está, curiosamente, usando exatamente do consequencialismo moral que ele tanto condena. A falácia é essencialmente dizer "seria muito ruim para o nosso grupo se tivéssemos que respeitar isso aí, então consequencialmente é ruim, logo jusnaturalisticamente é errado". (Como veremos, essa é uma prática comum dos opositores de direitos animais: a Ética Free-Style, em que recorre-se indiscriminadamente a quaisquer premissas que neguem direitos a animais, mesmo que incoerentes entre si, e/ou vindas de visões éticas incompatíveis com a adotada pelo anti-animais em questão).

Ora, se o respeito à conclusão pelos direitos dos animais nos levaria a uma redução na nossa população, paciência, isto é uma consequência e os jusnaturalistas rejeitam considerações consequencialistas. Dessa forma, a necessidade do Rothbard em definir um critério para "quais" seres incluir ou excluir é baseada simplesmente na vontade a posteriori dele mesmo de evitar certas consequências. E se seguirmos a ideia de que os primeiros usuários devem ser os donos de seus corpos, bastante popular entre os anarcocapitalistas, o critério já fica evidente: qualquer um que seja o primeiro usuário de seu corpo deve ser o dono dele. Se animais usam seus corpos, deveriam ser os donos. Se era a falta de um critério o grande problema, está resolvido, e já poderíamos parar por aqui.

Um último ponto curioso: ainda que se rejeite essa solução, tudo que Rothbard faz nesse parágrafo é um "argumentum ad preguiça": ora, se há "muitas complicações" a animais terem direitos, isso não significa automaticamente que eles não tenham. Significa apenas que teremos que elaborar um raciocínio apto a lidar com essa complexidade —  o que inclusive já foi feito e será apresentado ao longo dessa série.

Mas Rothbard retorna a uma abordagem mais adequada ao jusnaturalismo. Segundo ele, os direitos:
"são fundamentados na natureza do homem: a capacidade individual do homem de escolha consciente, a necessidade que ele tem de usar sua mente e sua energia para adotar objetivos e valores, para decifrar o mundo, para buscar seus fins para sobreviver e prosperar, sua capacidade e necessidade de se comunicar e interagir com outros seres humanos e de participar da divisão do trabalho. Em suma, o homem é um animal racional e social. Nenhum outro animal ou ser possui esta habilidade de raciocinar, de fazer escolhas conscientes, de transformar seu ambiente a fim de prosperar, ou de colaborar conscientemente com a sociedade e na divisão do trabalho."
Bonito, não? O que Rothbard esqueceu é que sim, os homens fazem todas estas coisas belas, cooperação, divisão do trabalho... mas só os homens também constroem bombas atômicas, queimam ônibus com pessoas dentro, praticam genocídios, promovem guerras em escala mundial e gravam axé. Existe tanta violência na natureza do homem quanto bondade. Temos aqui o parágrafo por excelência do "naturalismo seletivo": aquilo que é conveniente para a argumentação dele, ele considera como "natureza humana"; o que não é, ele deixa pra lá. E, pra piorar, nem mesmo as cooperações são exclusividade humana. Formigas cooperam entre si, e até com as plantas de que se alimentam; animais se juntam em bandos para melhorar suas chances de sobrevivência; as cracas pegam carona nas baleias, numa relação mutuamente benéfica; é bastante documentada a dinâmica social de grupos de primatas; bonobos são famosos por suas estratégias pacíficas de resolução de conflitos. Etc, etc, etc. É claro que formigas e outros animais nunca escreveram tratados sobre direitos. Mas isso só parece significar que a cooperação naquela espécie é muito mais natural do que na dos humanos, afinal as formigas simplesmente agem cooperativamente, sem precisar serem coagidas por leis.

Mais exemplos? 10 duplas de animais que possuem estranhos acordos de cooperação

Ademais, Rothbard certamente concordaria que transformar seu ambiente a fim de prosperar, apesar de ser "da natureza do homem", não autoriza um homem a prosperar às custas de outro. O motivo para isso provavelmente seria levantado como "ora, o outro indivíduo também possui tal fim de prosperar em sua natureza". Correto. Mas o mesmo se aplica aos animais! Eles claramente são indivíduos engajados na finalidade de sobreviver e prosperar — é claro que, devido às restrições técnicas dos animais, eles alcançam muito menos prosperidade (pelo menos a material) do que o homem médio, mas a busca pela sobrevivência e prosperidade estão lá, em suas naturezas, tanto quanto na nossa.

Apesar disso, segue Rothbard:
"Deste modo, enquanto os direitos naturais, como temos enfatizado, são absolutos, há um sentindo no qual eles são relativos: eles são relativos à espécie humana. Uma ética de direitos para a raça humana é precisamente isto: para todos os homens, sem levar em consideração raça, credo, cor ou sexo, mas exclusivamente para a espécie homem. A passagem bíblica foi perspicaz ao dizer que ao homem foi "dado" — ou, como dizemos no direito natural, o homem "tem" — o domínio sobre todas as espécies da Terra. A lei natural é necessariamente limitada à espécie."
"Deste modo" que modo? Como vimos, os argumentos de Rothbard até aqui foram completamente furados. Deste modo, fica claro que quando ele afirma que direitos são relativos à espécie humana, ele está tirando isso da própria definição inicial assumida por ele. Mas, como comentado no início deste artigo, esta definição arbitrária implica colocar os animais fora de seu escopo, e por isso tentar negar os direitos deles com base nela incorre numa falácia.

No mais, conforme a tradição da Ética Free-Style, em que as premissas são usadas e descartadas conforme convenha, Rothbard se apóia na premissa de universalidade de direitos, observando adequadamente que eles não podem ser relativos a sexo, raça, cor, etc. mas quando chegamos na espécie... epa! Ai toda a ladainha de até então sobre direitos universalizáveis e autoproprietários não importa mais: é só pra indivíduos da espécie humana porque sim. A citação bíblica cai muito bem com o caráter religioso dos argumentos.

A frase "A lei natural é necessariamente limitada à espécie", por sua vez, é grosseiramente errada. Soa conclusiva, mas é apenas Rothbard sendo panfletário e leviano como lhe é de costume. "Necessidade", em lógica, significa algo que não poderia ser de outra forma em nenhuma hipótese. Mas o próprio Rothbard admite, mais à frente, que uma outra espécie alienígena pode gozar dos mesmos direitos da espécie humana. Então já não é limitada à espécie, e uma frase menos errada então seria que "a lei natural é necessariamente vinculada à natureza [dos envolvidos]", em vez de espécie, mas nós veremos a seguir que mesmo isso não ajuda em nada o argumento rothbardiano contra animais. Mais especificamente, no fim das contas a frase que realmente caberia é "a ética relativa à natureza que rothbard elegeu é necessariamente vinculada à natureza que rothbard elegeu", o que soa trivial e tautológico porque é apenas isso mesmo.

"Além disso, pode se verificar que o conceito de uma ética de espécie é parte da natureza do mundo ao se contemplar as atividades das outras espécies na natureza. (...)é a condição do mundo, e de todas as espécies naturais, que eles vivam de se alimentar de outras espécies. A sobrevivência entre as espécies é uma questão de dentes e garras."
Se tem uma coisa que Rothbard não faz é contemplar as atividades das outras espécies, como vimos em parágrafos anteriores. E se tem uma coisa que é da natureza do mundo é os indivíduos resolverem suas contendas da forma que quiserem, incluindo pela força. É da natureza do mundo que alguns cooperam, e também que alguns dos fortes oprimem e escravizam os fracos — não fosse esse o caso, nem sequer precisaríamos discutir éticas disso ou daquilo. Aqui Rothbard apenas repete o naturalismo seletivo.

"Chamar a atenção para o fato de que os animais, no fim das contas, não respeitam os "direitos" dos outros animais não é apenas uma brincadeira"
Não, é também idiotice, com um temperinho de coletivismo. É como dizer que se humanos não respeitarem os direitos de outros humanos então humano nenhum tem direito. A existência de indivíduos que praticam agressão não retira os direitos dos não-agressores. Uma vaquinha pode levar sua vida sem jamais ameaçar qualquer indivíduo — então, ao contrário do que propõe Rothbard, já não haveria qualquer legitimidade apriori em agredir os bens naturais dela e de outros animais enquanto fossem pacíficos. Porra, Rothbard.

"Com certeza seria um absurdo dizer que o lobo é "mau" porque ele apenas existe por devorar e "agredir" ovelhas, galinhas etc. O lobo não é um ser mau que "agride" outras espécies; ele está simplesmente seguindo a lei natural de sua própria sobrevivência."
Mas quem se importa se o lobo (ou o alienígena que ele cita no parágrafo seguinte) "é mau"? Se é da natureza do serial killer psicopata matar (em vez de por uma maldade genuína), então ele também "não agride" ao agir assim?! Até então Rothbard vinha falando de agressão em termos de danos objetivos. Ele não estava preocupado com a "maldade" do agressor como elemento caracterizador da agressão, mas de repente parece que agora isso importa. Mas o lobo não é agressor "porque é mau" ou bom ou o que seja: nas palavras do próprio Rothbard no Capítulo 8, o lobo é agressor porque está "invadindo a propriedade de outro sem o consentimento da vítima".

Agora, o ponto mais importante é que todo o papo de Rothbard sobre "o lobo não poder ser mau por estar agindo conforme sua natureza inescapável" serve no máximo para desculpar... o lobo por suas ações, e não para desculpar o sujeito que agride lobos sem que isto seja uma exigência inescapável da natureza desse sujeito — como é o caso daqueles que agridem animais.

"Além disso, se um lobo ataca um homem e o homem o mata, seria um absurdo dizer que o lobo era um "agressor malévolo" ou que o lobo devia ser "punido" por seu "crime"."
Se um lobo ataca um homem e o homem o mata, isso é a boa e velha legitima defesa. Parece que quando é pra recusar direitos a animais Rothbard esquece até os conceitos mais elementares...

Outra confusão vergonhosa é a entre Ética e Direito. A evidente impraticabilidade de levar lobos a tribunais e a inutilidade de mantê-los presos em cadeias é um empecilho relativo ao Direito, que Rothbard tenta levantar para validar seu ponto Ético. Mas uma coisa não tem a ver com outra. Punição diz respeito ao Direito, não à Ética: a impossibilidade ou inviabilidade de punir algum crime não torna a ação mais nem menos criminosa. Não é porque, por exemplo, não vale a pena gastarmos recursos identificando, caçando e punindo alguém que roubou apenas uma balinha que o roubo se torna ético e direitos de propriedade deixam de ser válidos. Da mesma forma a inviabilidade de punir certas ações animais nada tem a ver com a validade de direitos. Mais uma vez: porra, Rothbard!

"E, todavia, estas seriam as implicações de se estender uma ética de direitos naturais aos animais.” 
O erro de Rothbard é primário. O ponto dele é que o lobo, por agir conforme sua natureza inescapável, não pode ser tratado como mau, mas que “se ele tivesse direitos esse deveria ser o tratamento dado a ele”. Isso é um non-sequitur, o fato de alguém ter direitos não implica que ele deve ser tratado como capaz de deveres. Falaremos mais sobre esse ponto na parte 8 da série.

”Qualquer conceito de direitos, de criminalidade, de agressão, só pode se aplicar a ações de um homem ou grupo de homens contra outros seres humanos."
Isso é falso. "Agressão" nós já comentamos acima. "Crime" é ação agressiva que viola direitos. E autopropriedade, que é a base dos direitos, nós já vimos que animais deveriam ter porque exercem o uso de seus corpos.

Será que então estes conceitos são inaplicáveis às ações de um homem contra animais, pelo menos? Analisemos então, seguindo a tradição jusnaturalista, a natureza dos animais. Os animais têm os mesmos bens naturais —vida, liberdade e propriedade— que os humanos: um animal tem sua vida, a não ser que o matem; tem liberdade, enquanto não o aprisionarem e tem suas propriedades (como um ninho, por exemplo) enquanto não lhe privarem delas. Certamente eles não podem discursar em favor de seus direitos, mas tente matar o seu cachorro (tente apenas hipoteticamente, por favor) e veja como ele resistirá com todas as forças que tiver, demonstrando claramente que tal ato é contra a vontade dele.

O que tem de não-aplicável a animais? Nada. O que Rothbard tenta aqui é a bizarra ideia de que a pena de A por agredir B depende não da reprovabilidade da conduta agressiva de A, e sim se a vítima B é passível de punição ou não. (escrevi mais sobre esse ponto no post 8 desta série).

“E quanto ao problema do “marciano”? Se algum dia descobrirmos e fizermos contato com seres de outro planeta, poder-se-ia dizer que eles possuem os direitos dos seres humanos? Isso dependeria da natureza deles. Se nossos hipotéticos “marcianos” fossem como os seres humanos – conscientes, racionais, capazes de se comunicar conosco e participar da divisão do trabalho – então presumivelmente eles também possuiriam os direitos agora restritos aos humanos “terrestres”.”
Este parágrafo é importante, pois explicita o que caracteriza o sujeito coberto pela ética rothbardiana. Como havíamos comentado no começo do artigo, não é ser “humano” (no sentido de pertencer à espécie, biológica), e sim ser “consciente, racional, capaz de comunicação e de participar da divisão do trabalho” — confirmando então que além dos animais, os incapazes humanos, portanto e por definição, também são deixados de fora da “ética” rothbardiana.

“Mas, por outro lado, suponha que os marcianos também tenham as características, a natureza, dos lendários vampiros, e que só poderiam viver se alimentando de sangue humano. Neste caso, independentemente de sua inteligência, os marcianos seriam nossos inimigos mortais e não poderíamos considerar que a eles seriam designados os direitos da humanidade. Novamente, seriam inimigos mortais não por serem agressores perversos, mas por causa das necessidades e das exigências da natureza deles, que inevitavelmente conflitaria com a nossa natureza.”
A exposição de Rothbard nesse parágrafo é coerente, dentro da lógica adotada por ele de ética como algo intra-grupal. Agora, a escolha feita por ele para a outra espécie como de “vampiros que precisam se alimentar de nós”, para concluir que estariam excluídos da lógica de direitos, é bastante interessante. Evidentemente que ele escolheu essa simulação, e apenas essa, para corroborar a conclusão que ele quer defender à nossa própria situação enquanto “vampiros” que, segundo ele, “precisam” se alimentar de outros seres, os animais. Mas consideremos um caso que a preguiça, idiotice ou safadeza de Rothbard o impediu de considerar: e se a outra espécie alienígena fosse de seres que não precisam se alimentar de nós, e nós é que gostássemos de nos alimentar deles por uma conveniência, que por maior que fosse, não é necessidade absoluta nossa? Chamemos essa raça de Aliens-Tranquilões-Porém-Saborosos. O que dizer desse caso?

Vejo duas opções aqui:

Na primeira, reconhecemos novamente a limitação da ética assumidamente intra-grupal de Rothbard e simplesmente declaramos que esta situação inter-grupal está fora de seu escopo. Conclusão: não podemos dizer nada sobre o que é o correto nesse caso dos Aliens-Tranquilões-Porém-Saborosos — e não, em casos fora do escopo, não custa reforçar, a conclusão não é dizer que “estamos autorizados a agredir à vontade”, ok?

Na segunda, aplicando o raciocínio geral da ética rothbardiana ao caso, não podemos deixar de observar que os Aliens-Tranquilões-Porém-Saborosos são apenas seres que se abstêm —seja por vontade ou por inaptidão, tanto faz— de participar da divisão social trabalho. Mas eles não agem contrariamente a ela: eles apenas estão na deles, alheios a esse nosso modo de vida e produção. Ora, mas a ética rothbardiana não é sobre compelir todos a participarem da divisão do trabalho; é sobre punir os que agem contra ela, os que a impossibilitam, e não os que meramente se abstêm de dela participar — presumivelmente Rothbard jamais concordaria que é lícito, por exemplo, agredir alguém porque ele vive sozinho no meio do mato sem cooperar com os demais. Conclusão: ou não podemos dizer nada sobre o caso (conforme o parágrafo anterior), ou o que temos a dizer é que estamos definitivamente desautorizados a agredir os seres Tranquilos-Porém-Saborosos. Embora esse não seja o status de todos os animais, certamente é o de vários, e esse ponto já obriga rothbardianos a reconhecerem os direitos de mais animais do que gostariam.

“[...]necessidades e exigências da natureza deles, que inevitavelmente conflitaria com a nossa natureza.”
Destaco esse trecho da citação anterior para uma curiosidade: uma das definições mais comuns para Ética no meio libertário envolve a ideia de que ela existe para “solucionar conflitos” (Rothbard não recorre a essa ideia explicitamente, mas você pode ver Hoppe fazendo-o na introdução do próprio “A Ética da Liberdade”). Nesse aspecto note as limitações da ética assumidamente intra-grupo de Rothbard, quando ele termina dizendo que “haveria conflito”: o que para muitos é exatamente a razão de ser da Ética, para ele é o ponto em que a Ética cessa de aplicar-se...

Mas talvez o que Rothbard disse como “inevitavelmente conflitar” na verdade fosse para ser no sentido de conflitos inevitáveis, insolúveis. Nesse caso não teríamos um ponto interessante aqui? O que acontece quando a ética se depara com um conflito inevitável?

A princípio, a resposta parece ser algo na linha de que “o que não tem remédio, remediado está”. Porém analisemos melhor esse caso. O que temos aqui nesse "conflito inevitável" é uma situação em que as naturezas de A e B os levam a ter necessidades antagônicas. Mais especificamente: A precisa de recursos de B — recursos que B não está disposto a fornecer, e que se A não obtiver não sobreviverá.

Para Rothbard, pensando em humanos contra animais, a resposta facilmente vem como “é uma situação inevitável, então o humano A está justificado em agredir o animal B para sua sobrevivência”.

Mas basta imaginar que A é uma pessoa precisando de um rim e que B é uma pessoa com um rim, e —apesar de igualmente termos aqui um “conflito inevitável”, isto é, uma situação em que há novamente duas naturezas com necessidades antagônicas—, parece que aí a coisa rapidamente mudará de figura. Agora o próprio Rothbard seria assertivo em decretar: A que se vire para obter esses recursos de forma não-agressiva, e se não puder, que morra. Na discussão sobre aborto, inclusive, Rothbard cita que mesmo se o demandado de B fosse algo irrisório como meramente “dar um toque gélido com sua mão na testa de A para salvar sua vida”, em vez de algo grave como pegar um rim dele, ainda assim seria uma “violação inadmissível do direito de autopropriedade” de B forçá-lo a dar esse mero toque — consequentemente, A que morra. É até irônico que Rothbard aceite a necessidade de sobrevivência em defesa da espécie, num claro viés coletivista, mas em defesa do indivíduo a desconsidere em absoluto... Enfim, temos aqui mais um caso de incoerência, em que as premissas valem ou deixam de valer conforme os interesses aposteriori do proponente. (Na parte 6 desta série teremos a discussão sobre a premissa sobrevivencialista em si).

"Há, na verdade, uma justiça bruta no ditado popular que diz que "nós reconheceremos os direitos dos animais assim que eles o solicitarem". O fato de que animais obviamente não podem requerer os seus "direitos" é parte de suas naturezas e parte da razão pela qual eles claramente não são equivalentes aos seres humanos, nem possuem os direitos deles." 
Existem duas interpretações possíveis nesse parágrafo.

A primeira, mais grosseira (mas não menos popular, tanto que é ecoada pelo Takaki) é a de que direitos derivam de requisição argumentativa, de ter-se “noção” deles. Esse argumento apenas confunde toscamente a razão ser um requisito para alguém PENSAR sobre ética com ela ser requisito para alguém ser TITULAR de direitos. Comentarei mais sobre isso no próximo post da série. Outro problema curioso é que ninguém precisa "requerer" propriedades naturais: se direitos realmente são "naturais", a característica disso é que os seres já os terão independentemente de terem que pedir. E aliás, pedir a quem?! A nós? Se a comunidade humana não tem poder para dar ou tirar direitos, como ela poderia dar ou tirá-los de animais?

A segunda interpretação não seria literalmente focada na requisição, em ato, de direitos, e sim na ideia de que a capacidade de fazer esta requisição é fundamental para se fazer parte da comunidade de direitos. Mas por que essa capacidade seria relevante? A capacidade de ter “noção” sobre direitos, de “requisitá-los” ou “propô-los” tem relevância apenas no contexto em que direitos seriam subjetivos, fruto de pactos, em que as partes capazes se reuniriam para pactuar regras válidas para si mesmas. Assim, se animais não teriam naturezas capazes de participar do pacto, estaria aí o impedimento deles de figurarem no tal pacto. Parece ser essa a intenção de Rothbard, mas observemos que essa noção se encaixa é na visão subjetivista da Ética, na ideia de Contrato Social, que é veementemente desprezada pelos jusnaturalistas — mas que mais uma vez não conseguem resistir a um bom Free-Style ético quando é pra negar direitos a animais. (Sobre o ponto em si de direitos animais sob o contratualismo, falarei num post adiante).


E pronto. O grande capítulo de Rothbard sobre direitos dos animais é só isso.

Um adendo: na verdade, além da fragilidade do "naturalismo seletivo", das incoerências e falácias praticadas, e do problema de escopo, antes de mais nada, uma ética jusnaturalista já é falha em sua essência porque tenta derivar de um suposto "ser", natural, uma ética, a qual está no campo do "dever-ser". O filósofo David Hume já havia observado essa impossibilidade de se concluir automaticamente um "dever-ser" a partir de um "ser", o que ficou conhecido como Guilhotina de Hume, na qual a abordagem jusnaturalista já merece ser descartada logo de saída. Sim, além de extrapolar o escopo ao tentar falar de animais e cometer incoerências no caminho, a abordagem discutida aqui já tinha problemas no próprio método adotado.

O filósofo libertário Hans-Hermann Hoppe, também ciente dessa fragilidade, procurou fornecer uma fundamentação ao libertarianismo que não contivesse esse erro. No próximo post lidarei com a abordagem de Hoppe, em sua Ética Argumentativa.