Meritocracia, capitalismo e socialismo

Meritocracia
A ideia central quando se fala em "meritocracia" é um sistema que recompense as pessoas conforme o mérito delas. E o que exatamente seria "mérito"? A definição de "mérito" no Michaelis nos diz "o mesmo que merecimento" e "merecimento" nos leva a "qualidade que torna alguém digno de prêmio ou castigo".

E tudo isso nos leva à seguinte conclusão: nenhuma! Continuamos sem saber: qual é a qualidade que torna alguém merecedor de receber alguma coisa boa?

O universo em si não parece nos dar alguma dica de que qualidade seria essa, Pessoas obtêm os mais diversos resultados a partir das mesmas qualidades. Uma pessoa pode trabalhar duro e uma seca simplesmente arruinar seu trabalho; outra pode não se esforçar em nada e ganhar na loteria; uma terceira pode viver a vida toda só fazendo o bem e acabar sendo atropelada.

Como Dr. House enunciou brilhantemente em um episódio da série:

"As pessoas não ganham o que elas merecem. Elas ganham o que elas ganham.
Não há nada que algum de nós possa fazer sobre isso."

O universo não é meritocrático no sentido de "trazer coisas boas na medida em que alguém mereça coisas boas". (Ou pelo menos ninguém conseguiu identificar ainda o que significa "merecer" na ordem natural das coisas).

Nós geralmente não aceitamos a segunda parte do que House diz, e tentamos fazer alguma coisa sobre, propondo e tentando viver sob sistemas que recompensem o que consideramos meritório. Meritocracia é, portanto, um sistema humano, artificial. Sendo assim, nenhum sistema (nem capitalismo, nem socialismo, nem nenhum outro) vai conseguir implementar esse ideal de "recompensar o mérito" 100%.

Mas afinal, o que consideramos meritório?

No sentido mais popular, considera-se merecedor de alguma coisa quem tenha se esforçado por ela. Assim, se uma pessoa ganha um bom emprego apenas por ser filho de alguém, dado que "ser filho de alguém" não representa esforço próprio nenhum, dizemos que esse tipo de contratação não é meritória. Porém esta lógica já não parece muito adequada quando, num vestibular, um candidato que estudou 3 horas por dia por um método eficiente consegue a vaga enquanto um candidato que estudou 12 horas por dia com baixo aproveitamento disso não consegue a aprovação. Certamente o segundo se esforçou muito mais, fez muito mais força que o primeiro, mas o primeiro ainda estava mais apto à vaga, porque tinha os conhecimentos necessários no fim das contas. Também não acharíamos que alguém que passasse 27 horas cavando um buraco e depois outras 20 horas tapando-o fosse digno de qualquer prêmio, apesar do grande esforço que ele sem dúvida empenhou nesta tarefa.

Assim, vê-se que o "esforço" em si não é exatamente a qualidade que torna alguém digno de recompensas.

Com as considerações acima pretendo apenas mostrar que a ideia popular de "esforço" é insuficiente; não pretendo neste post encontrar a qualidade única que deve compor a meritocracia — se é que há uma, na verdade. Em vez disso, gostaria de avaliar quais são as qualidades que dois sistemas, capitalismo e socialismo, recompensam e qual dos sistemas promove algo mais alinhado com o que desejamos.

Meritocracia e Capitalismo
O capitalismo é baseado na propriedade privada, o que significa que a única forma de obter algo de alguém é voluntariamente, através de trocas que ambas as partes concordem em efetuar.

A atitude meritória no capitalismo, isto é, a qualidade que tende a gerar recompensas neste sistema, portanto, não é "suar a camisa" nem "fazer força". No capitalismo o mérito está em melhor satisfazer as necessidades dos outros, ao produzir coisas que eles desejam e pelas quais estão dispostos a te remunerar para obterem.

Um sujeito vai se tornar rico no capitalismo na medida em que disponibilizar às pessoas bens ou serviços com alta produtividade. Num sistema capitalista, na verdade, a produção de riquezas se torna um componente fundamental do mérito em vez do mero "esforço". Usar uma máquina que cava um buraco em 30 segundos traz mais recompensa do que cavar o mesmo buraco com uma colher de plástico levando 36 horas de puro esforço — o que reflete o fato de que nós valorizamos mais é a solução do problema em si.

Meritocracia e Socialismo
Para discutir quais seriam as implicações de um sistema socialista na meritocracia, me referirei a algumas das propostas do socialismo, enunciadas pelo colega Ricardo Nery.

"o socialismo vai eliminar ou mitigar o direito de herança. Isso impede que alguns indivíduos, sem mérito pessoal (mas apenas pelo fato de terem nascido em família rica), partam em vantagem sobre outros."

O problema aqui é que para evitar a "injustiça" da herança o socialista está dizendo, precisamente, que aquele que construiu a fortuna não é livre para fazer com ela o que quiser — porque ele não pode passá-la aos filhos ou a quem quiser, nem depois de morto (e supõe-se que nem antes, ou a regra seria burlada de forma óbvia). Deixando de lado o absurdo prático de proibir a transferência de propriedade, mesmo assim isso já destrói totalmente a questão do mérito que o socialista queria ajustar, pois a fortuna é a recompensa pelo mérito de quem a construiu, e proibir a pessoa de dispor livremente de sua recompensa é destruir a noção de recompensa, e sem recompensa não há meritocracia.


"O socialismo também estabelecerá um só sistema de educação - sob controle estatal -, vedadas outras formas de educação diferenciadas para quem pode pagar mais. Isso impõe maior igualdade de condições entre os cidadãos."

Do ponto de vista de uma sociedade que deixe os resultados vinculados só ao esforço pessoal, eliminando o "resto" o máximo possível, esse até faz sentido, embora na prática esse ideal de igualdade seja inalcançável. O problema seria sob outro aspecto: como é que o mérito seria avaliado na hora de eleger a melhor forma de educar, na hora de FORMULAR e ATUALIZAR o programa dessa educação estatal? pois se não haveria competição, como poderíamos descobrir qual das alternativas traz melhores resultados? E se criássemos turmas para pôr a teste os métodos, então já teríamos pessoas sendo formadas diferentemente em nome de ninguém ser formado diferentemente.

No fim das contas, talvez nós até tivéssemos um sistema bem igualitário, mas a igualdade típica das experiências socialistas: todos igualmente ruins e estagnados. Não, obrigado.

"Além disso, o socialismo elimina o elemento de risco inerente na livre iniciativa. Sorte não é mérito. E no capitalismo o elemento "sorte" entra na conta do sucesso, mesmo que não isoladamente."

Ainda existe risco e sorte no socialismo. O que ele poderia oferecer nesse aspecto é distribuir a conta dos fracassos dentre todo mundo. Por exemplo, se uma seca destrói a plantação de milho, em vez de só quem plantou o milho arcar com o prejuízo, a conta é dividida dentre todos.

Mas aí vem o problema: se o cara que planta milho não deve pagar porque não tem culpa, QUANTO MENOS EU!

"E o que dizer então da possibilidade de viver do capital (ao invés do trabalho)? Viver de rendimentos, investimentos, aluguéis, etc. O socialismo acaba com tudo isso."

Rendimentos, alugueis e investimentos precisam de poupança para serem obtidos. E poupança é um sacrifício. Você se abstém de consumir para poupar. Este dinheiro parado não rende nada, você só pode "viver dele", sem o estar consumindo diretamente, na medida em que disponibiliza o que você poupou para outros, que não pouparam, poderem usar essa poupança para produzirem. É com parte do que eles produzirem que eles poderão te pagar os tais juros do qual você pretende viver. A atividade de poupança é, portanto, essencial, bela e moral para o desenvolvimento econômico e merece ser recompensada — como de fato é no capitalismo.

Conclusão
Podemos não saber qual é a qualidade que merece recompensas, se é que existe alguma única. Mas pudemos ver ao longo desse post que, não só não fica claro que tipo de qualidade o socialismo promoveria, como parece evidente que ele inclusive nem consegue ser um sistema que mede nem que permite a existência de prêmios para qualidades.

Por fim, a crítica de que o capitalismo não é meritocrático só se sustenta quando supomos que a qualidade do mérito é o "esforço bruto", mas também vimos que não há bons motivos para achar que "esforço" sozinho é uma qualidade meritória.

2 comentários:

  1. Creio que você labora num certo paralogismo, no que refere à meritocracia no "socialismo "...

    Amigavelmente - artur

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    1. Oi, Artur. Qual seria a versão correta em relação à meritocracia no socialismo?

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