[rascunho] A Ética deveria evitar as causas dos conflitos?



Os posts marcados como [rascunho] reúnem pensamentos meus que ainda não foram testados e podem, assim, estar certos ou grosseiramente errados. O objetivo de postá-los é estimular o pensamento e o confronto com novas ideias.


Conflitos se dão quando há duas ou mais reivindicações mutuamente excludentes.

Solucionar um conflito, do ponto de vista da Ética, significa declarar, dentre as vontades mutuamente excludentes, qual é a correta de prevalecer. Essa é a Premissa da Solução.

Uma norma que, se seguida, impeça o surgimento de conflitos é superior a uma que soluciona os conflitos mas continue os suscitando mesmo se for seguida. Essa é a Premissa da Evitação.

Premissa da Evitação pode parecer uma novidade, mas já está presente no raciocínio libertário:

Há VÁRIAS normas que solucionam conflitos conforme apenas a Premissa da Solução: a regra de que o "primeiro usuário" seja o dono, por exemplo, permite declarar uma única vontade a prevalecer tanto quanto a regra de que seja, digamos, o "segundo usuário" ou ainda que deve prevalecer a vontade do "solicitante atual" do uso;

Uma premissa auxiliar levantada para a solução de conflitos envolve a mitigação de sua ocorrência futura. A norma citada do "usuário atual" seria inferior pois suscitaria conflitos adicionais constantemente: dois indivíduos A e B poderiam impedir infinitamente o uso de um bem entre si tornando-se, alternadamente, o "solicitante atual" assim que o outro assumisse a propriedade por ter sido o solicitante atual no momento anterior. A norma do "segundo usuário" (ou de qualquer enésimo usuário) enfrentaria problema similar, ficando na prática o uso suspenso até se alcançar a enésima ocorrência do conflito. A norma do primeiro usuário, por outro lado, já alcança a solução definitiva do conflito desde a primeira ocorrência e evita contendas futuras se for seguida.


Porém, as reivindicações mutuamente excludentes que estão presentes num conflito, enquanto Ações (praxeologia), são produzidas a partir de estados de menor satisfação;


Tendo isso em vista, uma ética que resolva conflitos apenas declarando a prevalência da reivindicação do primeiro usuário de um bem não é tão eficiente para a evitação de conflitos quanto uma que leve em conta também a ocorrência de estados de menor satisfação geradas com o uso destes bens, vedando-os. Uma ética que vede tais usos implementa a Premissa da Evitação, pois previne a causação dos estados de menor satisfação que geram as reivindicações mutuamente excludentes, conflituosas.

A ponderação do elemento da satisfação volta a incluir o aspecto consequencial e pragmático na Ética, sem que no entanto ela incorra nos problemas tipicamente levantados contra o utilitarismo, enquanto a mantém embasada em termos lógicos e praxeológicos.

O argumento deste post pode ser exposto da seguinte forma:
1- Conflitos ocorrem quando há reivindicações mutuamente excludentes;
O que causa conflitos é a existência de duas vontades mutuamente excludentes sobre algo, ou seja, quando dois ou mais indivíduos agentes esperam obter maior satisfação de forma mutuamente excludente entre si (i.e., se um fica mais satisfeito, outro fica menos e vice-versa).

2- Reivindicações se dão por meio de ações, e o axioma da ação já nos ensina que toda ação é motivada por um desconforto, um estado de menor satisfação;

3- O que vai eliminar conflitos, portanto, não é a mera atribuição de direitos de propriedade, mas sim regras que proporcionem a convivência com a menor ocorrência de estados de menor satisfação, que é o que motiva os conflitos;

OBJEÇÕES
Uma objeção imediata à conclusão é que a vedação de certos usos causaria estados de menor satisfação naquele que teve seu uso frustrado. Embora isto seja verdadeiro, esta insatisfação ou discordância em relação a uma norma ética em si não se trata de um conflito entre partes como aqueles que são objeto da ética, (Por exemplo, a insatisfação ou discordância de um ladrão frente à norma ética de não roubar não configura conflito adicional).

Outra objeção é que a Premissa da Evitação seria impossível de cumprir na prática, pois seria requerido, antes de qualquer uso, uma investigação de se ele causaria menor satisfação em qualquer outro indivíduo do mundo. Mas esta barreira só parece intransponível supondo as limitações atuais de nossa tecnologia comunicativa. É perfeitamente factível uma tecnologia futura que, permitindo a comunicação diretamente entre as mentes, tornasse essa consulta algo trivial e praticamente instantâneo. Não é válido balizar conclusões de uma Ética a priori com base em limitações contingentes da tecnologia presente. Outro ponto é que os usos de algum bem, em geral, não têm sequer potencial de afetar todos os indivíduos: ninguém deseja todos os fins a ponto de o uso de todos os meios o impactar.  A conclusão mais correta de acordo com esta objeção não é de que a Ética não deve levar em conta o impacto na satisfação alheia, mas sim uma discussão sobre como proceder nos casos em que seria impossível, circunstancialmente, a consulta àqueles afetáveis pelo uso.

Tudo sobre a Ética Argumentativa (1)


O "Tudo sobre..." no título não é exagero. O objetivo desta série é apresentar um debate completo sobre a Ética Argumentativa, desde o início, com base no que Hoppe originalmente escreveu, até o estágio atual do debate deste tema, passando pelas contestações e respostas a elas, tomando sempre o cuidado de separar e identificar cada parte do debate e, principalmente, expondo o tema da forma mais acessível que eu conseguir. Se você não sabe nada sobre a Ética Argumentativa, esta série de posts é para você.
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A Ética lida com a questão do justo e do injusto, do certo e do errado, enfim, tenta responder à questão "De que forma devemos agir?". Uma proposição do tipo "Matar é errado", por exemplo, é uma proposição Ética e quer dizer que "não devemos matar". Neste sentido, podemos considerar que uma ética (com "e" minúsculo) é um conjunto destas proposições, enquanto a Ética (com "E") é o estudo dessas proposições.

Mas "matar é certo" também traz um dever-ser — no caso, o de matar. Ela também é, portanto, uma proposição do tipo ético. Como descobrir qual das duas é verdadeira? Entramos então na parte da Epistemologia Ética, isto é, no estudo não apenas de quais são as proposições Éticas, mas de como descobrir quais delas são verdadeiras e quais são falsas.

Existem várias propostas de epistemologias para a Ética. Uma bastante popular, por exemplo, é o jusnaturalismo, no qual tenta-se obter o ético avaliando-se aquilo que é "conforme a natureza das coisas". Outro exemplo seria o consequencialismo, que busca determinar o certo e o errado com base nas consequências geradas pelas ações.

A Ética Argumentativa é interessante pois se inicia com a proposta de uma epistemologia inegável para a ética, a qual permite encontrar um, e apenas um, conjunto de proposições verdadeiras. Em outras palavras, a Ética Argumentativa é como um filtro, pelo qual só passaria um único conjunto de proposições, isto é, uma única ética.

Como funciona esse filtro da Ética Argumentativa e qual seria a única ética capaz de passar por ele?

O NÚCLEO FUNDAMENTAL
O raciocínio fundamental da Ética Argumentativa pode ser exposto em 3 premissas.
1) Justificação é justificação proposicional
Toda norma, ao ser justificada, terá tal justificação feita proposicionalmente. Em outras palavras: sempre que a questão do justo for levantada, sempre que uma norma for defendida como justa ou injusta —ou seja, sempre que estivermos lidando com a Ética—, essa justificação será feita por meio de uma declaração, será uma defesa argumentativa: alguém estará dizendo que algo é justo ou não.

2) Uma argumentação, ao ser feita, já demonstra que alguns fatos e algumas normas são verdadeiras — eles são pressupostos da argumentação
Ao dizer qualquer coisa o falante demonstra, por exemplo, que está vivo (pelo menos no sentido de "dizer" enquanto "usar seu corpo, cordas vocais, etc. para emitir uma proposição"). Da mesma forma, e segundo o raciocínio da Ética Argumentativa, o ato de argumentar também demonstra a existência de determinadas normas (veremos a seguir quais normas são essas).

3) Nada que contrarie um pressuposto da argumentação pode ser justificado argumentativamente
Suponha que eu declarasse "eu estou morto". Considerando o exposto no item 2, percebe-se que há uma contradição entre o que eu falei ("estou morto") e um pressuposto ("falantes estão vivos") do próprio ato que eu executei. Existe uma contradição entre o conteúdo que foi dito e entre o ato que foi performado para dizê-lo — daí o nome contradição performativa. Dessa forma, o fato de eu ter agido para dizer algo demonstra que estou vivo, e isto demonstra como falsa a proposição dita por mim de que "estou morto".

O mesmo vale em relação às normas que são pressupostas do ato de argumentar. Qualquer proposição ética deve estar de acordo com tais normas, pois ao negá-las estar-se-ia tentando negar algo que seu próprio ato de negar já requer e demonstra como válido. Em outras palavras, podemos concluir que "Qualquer ética cujo conteúdo contrarie as normas da argumentação é injustificável". Isto é referido como o "apriori da argumentação".


QUE TIPO DE ÉTICA?
Que tipo de Verdade Ética esse núcleo fundamental nos fornece? Qual seria a extensão dessa verdade? Ela não seria válida e vinculativa apenas no momento e para a duração da própria argumentação e até mesmo apenas para aqueles que realmente participam nela?

Considere novamente a contradição performativa envolvida ao dizer "eu estou morto". Caso a pessoa dissesse isso amanhã, deixaria de haver a contradição? Haveria algum momento ou lugar em que não haveria tal contradição? Quando dizemos que alguma coisa é inegável argumentativamente, note que esta coisa é inegável hoje e continuará inegável amanhã. Era, aliás, inegável ontem também. Já era inegável, inclusive, mesmo quando ninguém ainda tinha pensado nessa história de contradição performativa e mesmo até antes de haver alguém capaz de saber coisas ou de argumentá-las. É inegável mesmo se alguma ou ambas as partes num debate não perceberem isso, e mesmo se inclusive nem houver uma outra parte envolvida e você estiver ponderando essas proposições sozinho, consigo mesmo. Uma vez que o pressuposto da argumentação não muda, uma verdade inegável argumentativamente também jamais mudará. Este aspecto é tratado como a transcendentalidade da Ética Argumentativa.

A crítica de que a Ética Argumentativa seria irrelevante e sem consequências pois argumentos só valeriam durante a argumentação e para as partes envolvidas é uma tese que teria que se aplicar a si mesma, e, portanto, tornar suas próprias críticas irrelevantes e inconsequentes também. Os críticos defendendo esta tese apenas falariam por falar, sem qualquer conseqüência fora da conversa. Pois, de acordo com sua própria tese, o que dizem sobre a argumentação é verdadeiro somente quando e enquanto eles o dizem e não tem relevância fora do contexto da argumentação; e, além disso, o que eles dizem ser verdadeiro é verdadeiro apenas para as partes envolvidas na argumentação ou mesmo apenas para eles, se não houver oponente real e disserem o que dizem em um diálogo interno apenas para si mesmos. Mas por que, então, alguém deveria desperdiçar seu tempo e prestar atenção a tais "verdades" privadas?

Mais importante e direto ao ponto: na verdade, esses críticos não estão envolvidos em conversa fiada ou em meras brincadeiras, é claro, mas em uma argumentação séria, ou seja, na apresentação de um suposto contra-argumento, e como tal e nesta capacidade, então, eles se tornam inescapavelmente enredados em uma contradição performativa ou dialética: porque eles realmente afirmam que o que eles dizem sobre a argumentação é verdadeiro dentro e fora da argumentação, ou seja, independente de se alguém realmente argumenta ou não, e que é verdade não só para eles, mas para todos. Isto é: ao contrário do que eles dizem, eles realmente perseguem um propósito acima e além do intercâmbio de palavras em si. Argumentação é um meio para um fim e não um fim em si mesma. É o próprio propósito da argumentação superar um desacordo ou conflito inicial em relação a algumas afirmações de verdade rivais e mudar as antigas crenças ou ações de acordo com o resultado da argumentação. Ou seja, a argumentação implica que se deve aceitar as consequências do seu resultado. Caso contrário, por que argumentar? Por isso, é uma contradição performativa ou dialética dizer, por exemplo, "vamos discutir se os salários mínimos aumentam ou não o desemprego", e depois acrescentamos: "e, então, independentemente do resultado do nosso debate, continuar acreditando no que já acreditávamos de antemão". Da mesma forma, seria contraditório para um juiz em um julgamento dizer "Vou descobrir quem de duas partes conflitantes, Peter e Paul, está certo ou errado, e depois vou ignorar o resultado do julgamento e deixe Peter livre, mesmo que seja considerado culpado, ou castigar Paul, mesmo que seja julgado inocente".

Dessa forma, conclui-se que a Ética Argumentativa nos fornece uma ética objetiva, válida de forma universal, em qualquer tempo e lugar, e para qualquer um, pois apenas uma ética desse tipo seria condizente com os pressupostos da argumentação, que são objetivos e válidos desta forma.


Agora que entendemos o método e os resultados obtidos pelo framework da Ética Argumentativa, podemos discutir quais são os tais pressupostos da argumentação e qual seria a única ética condizente com eles. Este será o assunto do próximo post.

Falácia - Apelo à autoridade abstrata


O tema desse post não está diretamente relacionado a Libertarianismo nem a qualquer questão em particular, mas acaba surgindo sempre. Identifiquei esta por conta própria e não achei em lugar algum nenhuma referência a ela, então... acho que é minha! =) Muitas vezes em debates as pessoas usam argumentos do tipo "meus argumentos estão de acordo com A Razão". Ou "de acordo com A Lógica eu estou certo..." Ou "A História" —sendo essa inclusive a base para o argumento do "Se você estudasse história saberia que estou certo".

Podem ser outras coisas, como A Economia, A Palavra de Deus, ou A Ciência... não importa, todas elas têm em comum o apelo a uma entidade com uma característica muito conveniente: ela não vai aparecer no debate para confirmar o que o evocante alegou, seja que ele está certo, seja que você está errado. Esse apelo a uma entidade abstrata tem tanto peso e valor quanto um apelo ao vento: nenhum!

Ela soa como um tipo de apelo à autoridade, mas é um pouco pior do que a versão tradicional dessa falácia: no caso de uma autoridade real, em tese você pode pelo menos discutir com essa autoridade apelada e mostrar-lhe que ela está errada, ou mostrar que ela não diz o que seu oponente alegou que ela dizia, etc. Mas no caso da Falácia de Apelo à Autoridade Abstrata não: você não pode nem sequer interagir com essa entidade —nem o seu oponente pode, o que aliás nos leva à questão de como diabos ele sabe que ela "diz" alguma coisa. Tudo que você tem é um sujeito agindo como se fosse o representante de uma entidade inacessível.

A primeira forma de lidar com essa falácia é apontando seu uso quando ele ocorrer. (Você pode linkar esse post, por exemplo)

Uma segunda coisa que você pode fazer é responder na mesma medida. Se seu oponente declara "A Economia / A História diz que a Crise de 29 foi causada pelo livre mercado" você pode responder simplesmente que "Não, A Economia / A História diz que a Crise de 29 foi causada pelas intervenções do estado". Pronto, cada um declarou algo sobre a entidade, o seu apelo vale tanto quanto o dele: nada. A saída possível é voltarem a discutir então qual foi o caso concreto para chegarem a alguma conclusão.

Por fim, algo que pode acontecer quando você apontar que alguém usou essa falácia é ele te acusar de "relativista" ou "subjetivista". Mas esse não é, absolutamente, o caso. A posição de um relativista seria dizer que existem várias vertentes sobre o assunto e que todas elas estão certas ou, ainda, que todas são igualmente válidas. Mas ao apontar o uso desta falácia você não está dizendo que "tudo está certo", e sim que há várias vertentes, e alguma delas pode estar certa, mas ninguém vai conseguir provar que a sua é a certa apenas apelando para uma entidade abstrata relacionada.

Ética e direitos animais (6): Contratualismo

Hobbes: "O homem é o lobo do homem".
Mas quando ataca seus pares o homem ainda é só o homem mesmo. Exceto o Jacob, talvez.
O contratualismo ético parte do ponto de vista de que o mundo é a guerra do todos contra todos. Andamos por aí usando da força à vontade, e então alguém propõe "ei, que tal se eu não inciar a força mais e você também não?". A partir disso, as pessoas aderem a esse acordo, abrindo mão do uso da força enquanto as demais abrirem também. Dessa forma, o padrão é cada um fazer o que quiser, o cessar fogo é a exceção contratada, e vinculada à reciprocidade. Nesse contexto, supõe-se que não há por que respeitar aqueles que não têm capacidade de entrar no acordo. Surge daí o raciocínio, por exemplo, de Thomas Hobbes, célebre defensor da ideia do contrato social, para quem os animais não teriam direitos porque
"É impossível fazer pactos com os animais, porque eles não compreendem nossa linguagem, e portanto não podem compreender nem aceitar qualquer translação de direito, nem podem transferir qualquer direito a outrem; sem mútua aceitação não há pacto possível."

Foge do escopo desse post avaliar se o contratualismo descreve corretamente ou não o fenômeno ético. A questão é: se ele for verdadeiro, implica na inexistência ou na impossibilidade de direitos a animais?

A resposta é claramente "não". Uma vez que direitos sejam fruto de acordos e contratos, nada impede que se pactue que, além de não nos agredirmos entre nós, também não iniciemos agressão contra terceiros. Esta já é, inclusive, a premissa usada para se pactuar direitos a incapazes humanos, os quais claramente não podem ser parte em pactos — nada impede, portanto, que seja aplicada a indivíduos de outras espécies em igual situação de incapacidade.

Para efeito de comparação, consideremos também o quanto o contratualismo é diferente da visão de uma ética objetiva. Isto é importante pois libertários frequentemente rejeitam o contratualismo e alegam defender uma ética objetiva, mas acabam recorrendo em seus discursos a várias premissas que só fazem sentido no contratualismo.

Numa visão ética objetiva, encontra-se a verdade ética de que agredir é errado e ponto final, objetivamente — é errado quer os indivíduos saibam disso ou não, tenham pactuado isso ou não; já era errado antes de o primeiro homem nascer, continuará sendo depois que o último morrer. Note que isso é basicamente a negação de tudo que o contratualismo, uma visão ética subjetiva, nos traz. Uma ética objetiva existe e vale independentemente do que façamos, uma ética subjetiva só existe e vale após nós a pactuarmos e conforme o pactuado.


No contexto da ética objetiva, entretanto, nós não somos mais a razão de ser da ética: a verdade ética objetiva apenas existe, e nós simplesmente somos capazes de conhecer tal verdade. Se esta verdade é que agressão é antiética, a vida na Terra ser claramente construída em cima de condutas antiéticas não a altera — isso seria simplesmente uma tentativa de "naturalizar a verdade", supondo que ela tenha algum compromisso em declarar como corretas as coisas como elas forem na natureza.

Em vez de ser uma ferramenta para promover a utilidade das nossas sociedades. a ética objetiva é uma verdade "impessoal" e não comprometida com nossos desejos e satisfação. Se ela atende nossos interesses, bom pra nós; se vai contra eles, paciência: então ela é um fardo do qual nós tomamos conhecimento, e se queremos ser éticos devemos tentar cumprir, em vez de ficar arrumando desculpa e 'tu quoque ético' de "ah, mas se o outro não sabe a verdade então eu faço de conta que a verdade não vale em relação a ele".

Essa visão da ética objetiva nos é bastante clara quando pensamos nos incapazes humanos: nos vem imediatamente à mente que o princípio ético é que quanto mais incapaz outro for, mais consideração ética, tutela e cuidado ele merece. Porém quando se cogita que o incapaz é um animal aí algumas pessoas pulam fora da esfera objetiva, e começam a alegar exatamente o contrário do princípio: agora quando mais incapaz o outro for, mais a pessoa quer fazer o que quiser com ele porque ele não teria "assinado" o tal "contrato de cooperação mútua".

De forma similar ao que foi apontado no post sobre a premissa sobrevivencialista, se queremos brincar de discutir éticas objetivas e impessoais, tudo bem, mas tenhamos a decência de não misturar nela pressupostos éticos subjetivos quando a impessoalidade que se buscava de início apontar numa direção inconveniente ás nossas pessoalidades.

Praxeologia: o algoz do livre-arbítrio


É comum a crença entre os austrolibertários não só de que existe um livre-arbítrio, como também de que a praxeologia prova a existência dele. Neste artigo pretendo demonstrar exatamente o contrário: a praxeologia nos fornece uma prova definitiva CONTRA a existência de um livre-arbítrio — note bem, este post não é uma "refutação à praxeologia", é uma refutação à existência do livre-arbítrio.

Para isso, vamos entender primeiro as proposições do livre-arbítrio, do determinismo e da praxeologia.

Livre-arbítrio
Uma coisa importante a se observar é que livre-arbítrio é uma palavra composta: trata-se de um arbítrio que seja livre. Livre de quê? De determinantes causais não escolhidas pelo indivíduo em questão. Livre-arbítrio é, assim, a ideia de uma vontade autônoma, que toma decisões (arbitra) sem ser determinada por elementos que esta vontade não determinou.

Determinismo
Basicamente o determinismo nega a ideia de que tenhamos livre-arbítrio: temos um arbítrio, isto é, decidimos coisas, mas não de forma livre e não-determinada.

Praxeologia
A praxeologia nos traz o Axioma da Ação. Segundo Mises, a Ação possui 3 condições: ela é (1)motivada por um estado de desconforto, diante do qual (2)a mente do ser sujeito a este desconforto imagina situações que seriam de maior satisfação, e ele então (3)identifica um comportamento que espera ser capaz de afastar ou pelo menos aliviar o seu desconforto.

Estas são as 3 condições para ocorrer uma Ação, que é a execução (ou pelo menos a tentativa de execução) do comportamento que o agente espera que vai levá-lo da situação de menor satisfação à de maior satisfação visualizada por ele.

Praxeologia x livre-arbítrio
Ao analisar as condições da Ação, percebemos que não há liberdade em nenhum de seus momentos:

(1) estado de desconforto
Não escolhemos quais coisas nos trazem desconforto. Uma pessoa com claustrofobia não escolheu sentir o desconforto que sente quando fica em locais fechados — e esse desconforto não escolhido por ela será o gatilho para várias de suas ações. Ademais, se fosse possível escolher quais coisas causam desconforto, bastaria que uma pessoa obesa escolhesse sentir desconforto (em vez de prazer) ao comer chocolates, ou que um fumante escolhesse sentir desprazer ao fumar.

(2) cogitação de situações de maior satisfação
Severamente limitada pela nossa própria capacidade mental e de imaginação, a qual também não escolhemos nem determinamos. E, principalmente, também não escolhemos quanta satisfação obteremos com alguma coisa, isto é, não escolhemos quais coisas nos trazem quanta satisfação.

Também não é o indivíduo que escolhe sua preferência temporal, isto é, não é ele que escolhe valorizar mais $100 agora do que $110 daqui a 2 meses, ou o contrário. Ele simplesmente sente maior satisfação por um do que por outro, e isso definirá se sua preferência temporal é alta ou baixa e suas ações.

(3) identificação o comportamento apto a alcançar o fim
Só podemos arbitrar dentre comportamentos que sejamos capazes de conceber, mas esta capacidade de conceber comportamentos também é limitada pela nossa própria capacidade mental e de imaginação, a qual, novamente, não é escolhida nem determinada por nós. Além disso, uma vez identificada uma lista de comportamentos possíveis, como arbitramos dentre eles aquele que será adotado? Escolheremos aquele que pareça mais apto a alcançar o fim almejado, e este juízo de aptidão será feito conforme a nossa capacidade mental, a qual não determinamos.

Rebatendo argumentos comuns
No artigo Qual a forma correta de se estudar o homem, Rothbard apresenta 4 argumentos comuns contra o determinismo e em defesa do livre-arbítrio:
"O homem nasce sem conhecimento inato de quais fins deve escolher e quais os meios e como usá-los para atingi-los."
Já vimos que o homem não escolhe seus fins. Seu fim, e isso conforme a praxeologia, é o de alcançar estados de maior satisfação. Não configuramos quais coisas nos trazem maior satisfação, nem quais coisas nos trazem menor satisfação, nem quais coisas nos causarão os desconfortos que motivam a ação. O arbítrio do homem é mera questão de identificar qual meio parece mais apto a alcançar tais fins não escolhidos por ele. Essa capacidade de arbitrar é exercida conforme as possibilidades/capacidades do cérebro do indivíduo, as quais ele também não escolheu nem determinou. Onde há espaço para livre-arbítrio nisso aí? Em lugar nenhum.
"Se somos determinados pelas ideias que aceitamos, então X, o determinista, é também determinado a acreditar no determinismo, enquanto Y, o que acredita no livre arbítrio, também é determinado a acreditar na sua própria doutrina. Uma vez que a mente humana não é, de acordo com o determinismo, livre para pensar e chegar a conclusões sobre a realidade, é um absurdo X tentar convencer Y ou qualquer outra pessoa da verdade do determinismo."
O determinismo não diz que pessoas não podem mudar de julgamento, só diz que essa mudança é determinada, e não livre. Se X acredita na premissa P, ele pode, mediante outros inputs, passar a julgar no futuro que a premissa P é falsa e que outra premissa Q é que é verdadeira. Tudo que o determinismo tem a dizer é que esta mudança de julgamento não se deu livremente, mas sim causada por tais inputs e conforme as configurações do cérebro que os recebeu e os avaliou.

Quando a pessoa X diz algo à pessoa Y, tudo que ela está fazendo é emitindo inputs para serem processados por Y, na expectativa de que estes inputs façam Y mudar seu julgamento, determinado pelos próprios inputs e pela capacidade de processamento do próprio Y. E, como nos ensina a praxeologia, a pessoa X está fazendo isso porque julga que é o que vai lhe render maior satisfação.
"Após muitos séculos de declarações arrogantes, nenhum determinista surgiu com nada como uma teoria que determinasse todas as ações dos homens. (...) Certamente nós podemos, pelo menos, dizer aos deterministas para ficarem quietos até que eles possam oferecer as suas determinações – incluindo, obviamente, suas determinações previstas de cada uma das nossas reações à sua teoria determinista."
A verdade de que vivemos num universo determinista não implica em que sejamos capazes de determinar algum dia com precisão todas as ações. A alegação determinista é de que se fosse possível conhecer todas as variáveis envolvidas na causação seria possível determinar seu resultado, e não de que temos ou viremos a ter a capacidade necessária para efetuar tal previsão.
"Os deterministas frequentemente insinuam que as ideias de um homem são necessariamente determinadas por ideias de outros, da “sociedade”. Todavia, A e B podem ouvir a mesma ideia ser proposta; A pode adotá-la como válida, enquanto B não o faz. Cada homem, portanto, tem a livre escolha de adotar ou não uma ideia ou valor." 
O fato de que dois indivíduos respondem de forma diferente a algo externo não tem relevância na questão da causalidade em seus cérebros, já que esses dois indivíduos possuem cérebros completamente diferentes e é compatível com o determinismo que cérebros diferentes façam julgamentos diferentes sobre uma mesma situação.

Como de costume, Rothbard entendeu mal a questão e a respondeu de forma completamente furada.

Mises defendia o livre-arbítrio?
Na verdade, não — o que torna ainda mais curioso o apego dos austrolibertários a este conceito. Em Ação Humana, capítulo II, item 6, Mises escreveu explicitamente:
"O conteúdo da ação humana, isto é, os fins pretendidos e os meios escolhidos e aplicados na consecução destes fins, é determinado pelas qualidades pessoais de cada agente homem. O homem é o produto, é a herança fisiológica de uma longa evolução zoológica. Nasce como descendente e herdeiro de seus ancestrais; seu patrimônio biológico é o sedimento, o precipitado, de toda experiência vivida por seus antepassados. O homem não nasce no mundo em geral, mas num determinado meio ambiente. Suas características inatas ou herdadas e tudo o que a vida lhe imprimiu fazem do homem o que ele é durante a sua peregrinação terrestre. Tal é a sua sina e o seu destino. Sua vontade não é “livre” no sentido metafísico do termo. É determinada pelo seu passado e por todas as influências a que estiveram expostos ele mesmo e os seus ancestrais. 
A herança e o meio ambiente moldam as ações do ser humano. Sugerem-lhe tanto os fins como os meios."
Mas e as implicações disso?
Como fica a responsabilização das pessoas? A ética e o direito não estão baseadas na ideia de um livre-arbítrio? Elas não ruiriam sem ele? Em primeiro lugar mesmo se a ética e a responsabilização fossem ruir com a queda do livre-arbítrio, isso não significaria automaticamente que ele é verdadeiro, só significaria que ele é um conceito útil para manter estas outras construções. Porém, felizmente, o livre-arbítrio não é um conceito necessário para essas questões e responderei a estas perguntas no próximo post.

Ética e direitos animais (5): A premissa sobrevivencialista


A Ética tem compromisso com a sobrevivência humana?

Quando chegamos à conclusão de que agressão a animais é antiética, e diante da suposição de que respeitar essa conclusão comprometeria nossa sobrevivência, a premissa de que algo não pode ser ético se culminar na nossa extinção é sempre levantada. Todos os autores respondidos nas partes passadas desta série, inclusive, se apoiaram nessa premissa em algum momento.

Molyneux escreveu que
"Nenhum ser humano pode existir sem matar outros organismos como vírus, plantas ou talvez animais. Nesse caso, "vida humana" é definida como "má". Mas se a vida humana é definida como mal, então ela não pode ser má, uma vez que a evitabilidade se torna impossível."
Rothbard, por sua vez, alega que
"se a teoria [da ética] fosse estendida além de seres conscientes para todos os seres vivos, como bactérias e plantas, a raça humana iria extinguir-se rapidamente "
E até mesmo Hoppe flertou com a premissa, ao dizer que
"se ninguém tivesse o direito de controlar coisa alguma, exceto seu próprio corpo, então todos nós deixaríamos de existir e o problema de justificar-se normas —bem como todos os problemas humanos— simplesmente não existiriam."
Esses trechos foram respondidos em seus respectivos artigos, dentro do método de pensamento de cada autor, mostrando que o método dele não dava suporte nem era compatível com essa premissa sobrevivencialista. Mas isso só mostrou que ela não era suportada pelo pensamento do respectivo autor. Ainda é preciso considerá-la em seus próprios méritos e é isso que pretendo fazer neste artigo.


Esta premissa está tão enraizada no pensamento comum que é difícil até mesmo encontrar uma fundamentação explícita para ela: simplesmente assume-se que ela é verdadeira e pronto. A melhor fundamentação em que consegui pensar é a seguinte:


A ética não pode (S)declarar algo que é condição para a sobrevivência / continuidade da existência da humanidade como antiético

Porque (P)a ética é produzida pela humanidade

e, dado (P), uma ética que fizesse (S) estaria "implodindo" sua própria condição de existência.


O problema está em (P) e isso nos leva a uma questão mais ampla

Ética objetiva vs Ética subjetiva
Considere as seguintes questões: o estado só passou a ser antiético depois que, digamos, o Hoppe escreveu o artigo dele? Estupro só passou a ser errado quando a primeira pessoa pensou nisso? Ou já era desde sempre?

Se a ética é objetiva, ela existe independentemente de todo mundo, alguém ou ninguém saber dela e respeitá-la. Ser objetiva significa, exatamente, que ela é, desde sempre, independentemente de sujeitos. Uma ética objetiva nos garante que agredir já era errado antes de o primeiro humano aparecer — e que vai continuar sendo errado mesmo depois que o último de nós tiver morrido.

Mas verdades desse tipo não dependem da nossa existência, então por que querem que elas tenham que zelar pela nossa existência?

Por exemplo, ninguém diz que "2+2=4 só é uma verdade matemática conforme isso possibilite a nossa sobrevivência para que saibamos disso". 2 porções de comida + 2 porções de comida não passa a ser 5 se a verdade nutricional for de que você precisa de 5 porções pra sobreviver, nem a verdade nutricional passa a ser outra só porque essa significará que você vai morrer. A gravidade, uma verdade física, não muda se você precisasse que ela fosse um pouco menor para não morrer numa queda. Se a verdade for que um meteoro está vindo pra Terra nenhum astrônomo dirá que "é mentira, porque se ele vier nós vamos todos morrer e aí ninguém mais vai poder praticar astronomia pra saber sobre meteoros, e isso implodiria a condição de existência da astronomia!"

Por que a Ética seria uma exceção, em que a verdade seria guiada pela nossa sobrevivência? A premissa sobrevivencialista simplesmente não cabe no contexto de uma ética objetiva, porque a verdade objetiva não tem compromisso com a continuidade da existência daqueles capazes de sabê-la.

Uma ética objetiva é incompatível com (P). Mas e se enxergamos as verdades éticas não como objetivas, mas sim subjetivas? Nesse caso (P) seria verdadeira. Se a ética é algo simplesmente criado por seres racionais (em vez de descoberto por eles), algo que só existe na nossa cabeça, então ela de fato só existiria e só teria implicações enquanto houvesse alguma cabeça capaz de manter essa invenção ativa — e ressalte-se que essa não é de forma alguma a aspiração dos autores libertários, os quais alegam estar descrevendo verdades éticas objetivas, e não meras invenções deles.

Nesse contexto a premissa sobrevivencialista estaria bem fundamentada?

Também não. Todo esse papo sobre ética subjetiva vs objetiva diz respeito à condição de existência da ética. Um julgamento que negasse a existência daquilo que o possibilitou seria contraditório — esta é exatamente a contradição prática apontada por Hoppe em seu parágrafo. Não se pode negar a existência anterior daquilo que possibilitou um julgamento presente, mas daí a concluir que este julgamento tem que manter a existência futura do que o possibilitou é um salto sem fundamento nenhum. Do fato de que ninguém pode negar que está vivo não se conclui que "só é válido propor algo que nos manterá vivos".


De onde vem a força da premissa sobrevivencialista, afinal?
O apelo que essa estratégia tem é utilitário: nós somos seres que perseguem o bem-estar de estar vivo. É uma questão evolutiva, simplesmente: nós só estamos aqui porque cada um na nossa cadeia de ancestrais foi eficiente não em "ser ético", mas sim em continuar vivo e procriar. Em termos práticos, nós não somos programado para ser éticos, e sim para sobrevivermos.

Mas os autores aprioristas rejeitam fortemente o utilitarismo ético. E aí nos vemos tentando conciliar duas coisas distintas: aquilo que é racional, com aquilo que nos satisfaz. Se queremos brincar de discutir éticas racionalistas apriori enquanto somos seres orientados à utilidade, tudo bem, mas tenhamos a honestidade de, quando a coisa ficar feia no apriori, não recorrer à utilidade que o apriorismo rejeita.

Hans-Hermann Hoppe vs Luiz Fabrette - on Argumentation Ethics and non-arguers

The following dialogue took place in an email exchange between me and Professor Hoppe in June 2017.

Fabrette: I've got a question about the apriori of argumentation and your claim that Only if the other entity can in principle pause in his activity, and say “yes” or “no” to something we owe that entity some moral respect, so to speak.

But the truth —that is, aggression is unjustifiable—, once found, (as it happened when we read your book, for example) doesn't need successive new argumentations in each new case to be rediscovered. Due to the apriori of argumentation, one already knows that aggression is unjustifiable, once and for all. Right? Therefore, if one wants it's actions to be justifiable, one must already behave according to the norm of non-aggression independently of engaging in new argumentations with the next victim.

So, being new argumentations unnecessary, then the victim does not need to argue anything — and so it does not make sense to require the victim being capable of argumentation to be, only them, respected and a "subject of rights".

Of course, the victim should be able to manifest in some way that what one is doing is against his will. Ok, but we can do that in non-argumentative ways like trying to scape the attack, screeaming or resisting physically, and so on, not necessarily by stating verbaly "excuse me sir, but I don't approve this" in a strictly argumentative manner.


Fabrette: It seems the major response to my question in this link is here:
"Whenever a person refuses to engage in argumentation, he is also owed no argument in return." 

Yes, that person may be owed no argument in return, but that doesn't mean whatever we do the this person would be justifiable. Let's say, the little child screaming “no” at everything said to him: maybe we don't owe him a argument, but could we just kill or slave this kid, i.e., would these actions be justifiable?

Hoppe: No, of course not.

Fabrette: (In this particular kid's case you may have another solution, probably based on kids being "potential arguers". I don't think this is a valid solution, but let's leave it aside, I think the real solution to the kid's case rests in the following:)

if it is a transcendetal truth that aggression is unjustifiable, then these actions against the kid would never be justifiable  not even for yourself, as a internal thought!

Hoppe: Right

Fabrette: Thinking that if a particular victim can't argue himself we could do anything with him would be the equivalent of thinking that the "true is true only for the parties actually involved in argumentation" — so if the victim part is not envolved in argumentation the truth "aggression is unjustifiable" would disappear, as if it has no relevance outside argumentations. Well, but it does have: It is because "truths has relevance outside the context of argumentation" we could not ignore them towards even non-arguing victims.

Hoppe: Right

Fabrette: "He simply doesn’t count as a rational person in regard to the question or problem at hand. He is treated as someone to be ignored in the matter. Indeed, someone always, on principle, refusing to argumentatively justify any of his beliefs or actions whatsoever against anyone, would no longer be considered and treated as a person at all."

This may be descriptively right, but not ethicaly justifiable: yes, people may consider and treat non-arguers as no subjects to ethical consideration, but everything about the apriori of argumentation and its transcendentality seems to point they are wrong in doing so...

Hoppe: Note that I say that a refuses to argumentatively defend anything, not even murder, rape, etc…..then he is indeed a wild thing and can be treated as such.

Fabrette: I noted a important distinction in the last part. I read it thinking about "non-arguing victims", but you were talking about something like a "non-arguing agressor", is that it?

So, only someone that refuses to argumentatively defend anything, such as a non-arguing agressor, would be a wild thing and can be treated as such. But not a peacefull non-arguer one, nor a non-arguer victim who is incapable of argumentation would be: our actions towards them would stil be subject to ethical/argumentative justifiability. Right?

Hoppe: yes

Fabrette: So, if our actions towards a non-arguer victim who is incapable of argumentation would still be subject to ethical/argumentative justifiability, why starting aggression against Friday, the gorilla, is any less unjustifiable than it is starting aggression against the little child screaming? Being both the kid and Friday, the gorilla, a non-arguer victim who is incapable of argumentation...

Hoppe: kids are potential arguers, gorillas are not (hence, they pose merely technical problems of control)

Fabrette: Yeah, "kids are potential arguers and gorillas are not", that's a true statement, but this would be a valid answer to the question only if truths, like the unjustifiability of aggression, were relevant only in the context of argumentation. If that were the case, then it would make sense requiring a victim to be an arguer, or at least a potential one, because only then could this victim be a participant inside the context where such truth has relevance.

If were, but it isn't! We just stablished why even our actions towards non-arguers at all would still be subject to ethical justifiability: because truths has relevance outside the context of argumentation! Non-arguers, in fact, could never be inside the context of argumentation, but that shouldn't matter at all, since the truth has relevance outside the context of argumentation too.

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In his last message, Hoppe said he would be away for "extended travels." I left that last answer, anyway, and if he responds when returning, I'll add his answer here. However, I think that at this point there is nothing he can answer that will justify the initiation of aggression against some and not against others.

Hans-Hermann Hoppe vs Luiz Fabrette - Sobre Ética Argumentativa e não-argumentadores


O seguinte diálogo ocorreu numa troca de emails entre mim e o professor Hoppe em junho de 2017. Também está disponível  o original em inglês da conversa.


Fabrette: Tenho uma pergunta sobre o apriori da argumentação e a sua alegação de que Apenas se a outra entidade puder em princípio pausar sua atividade e dizer "sim" ou "não" a algo nós devemos a essa entidade alguma consideração moral, por assim dizer.

A verdade —qual seja, de que agressão é injustificável—, uma vez encontrada (como aconteceu quando lemos seu livro, por exemplo) dispensa sucessivas novas argumentações a cada caso para ser "reencontrada". Devido ao apriori da argumentação, o sujeito já sabe que a agressão é injustificável, em definitivo. Portanto, se ele deseja que suas ações sejam justificáveis, ele já deve se comportar de acordo com a norma da não-agressão independentemente de se engajar em novas argumentações com a próxima vitima.

Assim, sendo novas argumentações desnecessárias, então a vítima não precisa argumentar nada — e por isso continua não fazendo sentido exigir que ela seja capaz de argumentar para só aí sabermos que ela deve ser respeitada e um "sujeito de direitos".

Claro, a vítima precisa ser capaz de manifestar de alguma maneira que o que alguém está fazendo é contra a vontade dela. Ok, mas nós podemos fazer isso de formas não-argumentativas, como tentar escapar de um ataque, gritar, resistir fisicamente, e daí em diante, não necessariamente apenas ao declarar verbalmente "Com licença, senhor, mas eu não aprovo isto" de uma maneira estritamente argumentativa.


Fabrette: Parece que a resposta principal à minha questão neste link é essa:

"Sempre que uma pessoa se recusar a entrar numa argumentação, não é devido a ela nenhum argumento em troca."

Sim, àquela pessoa pode não ser devido nenhum argumento de volta, mas isso não significa que qualquer coisa que fizermos com essa pessoa será justificável. Digamos, a criancinha gritando "não" para tudo que é dito a ela citada no link: talvez nós não devamos mesmo nenhum argumento a ela, mas então poderíamos simplesmente matá-la ou escravizá-la, i.e., seriam essas ações justificáveis?

Hoppe: Não, é claro que não.

Fabrette: (Nesse caso particular da criança você deve ter outra solução, provavelmente baseada em a criança ser uma "potencial argumentadora". Não acho que essa é uma solução válida, mas deixemos isso de lado. Penso que a solução real para o caso da criança está no seguinte:)

Se é uma verdade transcendental que agressão é injustificável, então essas ações contra a criança não poderiam nunca ser justificáveis — você não conseguiria justificá-las nem a si mesmo, como um pensamento interno.

Hoppe: Certo

Fabrette: Pensar que se uma vítima em particular não pode argumentar então podemos fazer qualquer coisa com ela seria o equivalente a pensar que "a verdade é verdade só para as partes de fato envolvidas na argumentação" — de forma que se a parte vítima não está envolvida em argumentação então a verdade "agressão é injustificável" desapareceria, como se ela não tivesse relevância fora de argumentações. Bem, mas ela tem. É porque, conforme o texto no link, "verdades têm relevância fora do contexto de argumentações" que nós não podemos ignorá-las nem mesmo em relação a vitimas não-argumentadoras.

Hoppe: Certo

Fabrette: "Ele simplesmente não conta como uma pessoa racional em relação à questão ou problema em análise. Ele é tratado como alguém a ser ignorado no assunto. De fato, alguém sempre, em princípio, recusando-se a justificar argumentativamente qualquer de suas crenças ou ações contra outros, não seria considerado nem tratado como uma pessoa de jeito nenhum". [trecho extraído do link indicado pelo Hoppe]

Isso pode estar descritivamente correto, mas não é eticamente justificável: sim pessoas podem considerar e tratar não-argumentadores como sujeitos fora de consideração ética, mas todo o raciocínio em relação ao apriori da argumentação e sua transcendentalidade parece apontar que elas estão erradas em agir assim.

Hoppe: Note que eu falei em relação à mera recusa em defender argumentativamente qualquer coisa, nem sequer chegando a assassinato, estupro, etc.... só com a recusa ele já seria considerado um ser selvagem, a ser tratado como tal.

Fabrette: Notei uma distinção importante nessa última parte. Eu havia lido pensando em "vítimas não-argumentadoras", mas você estava falando de algo como um "agressor não-argumentador", é isso?

Então, apenas alguém que se recuse a defender argumentativamente qualquer coisa, como um AGRESSOR não-argumentante, seria um "ser selvagem a ser tratado como tal". Mas não um não-argumentante pacífico, nem um não-argumentante vítima que seja incapaz de argumentação: nossas ações em relação a eles ainda estariam sujeitas a justificabilidade ética/argumentativa. Certo?

Hoppe: sim

Fabrette: Então, se nossas ações em relação a vítimas não-argumentadoras que são incapazes de argumentação ainda estariam sujeitas a justificabilidade ética/argumentativa, por que iniciar agressão contra Sexta-Feira, o gorila, seria menos injustificável do que iniciar agressão contra a criancinha gritando? Sendo ambos, a criança e Sexta-feira, o gorila, vítimas não-argumentadoras que são incapazes de argumentação...

Hoppe: crianças são argumentadoras em potencial, gorilas não (portanto, eles representam meros problemas técnicos de controle)

Fabrette: Sim, "crianças são argumentadores em potencial e gorilas não são", essa frase é verdadeira, mas ela seria uma resposta válida à pergunta somente se verdades, como a injustificabilidade da agressão, fossem relevantes apenas no contexto da argumentação. Se esse fosse o caso, então faria sentido requerer que uma vítima fosse uma argumentadora, ou pelo menos uma em potencial, porque somente assim essa vítima poderia ser uma participante no contexto onde tal verdade tem relevância.

Se fosse, mas não é! Nós acabamos de estabelecer o porquê de nossas ações mesmo contra não-argumentadores completos ainda serem sujeitas a justificabilidade ética: porque verdades têm relevância fora do contexto da argumentação! Não-argumentadores, de fato, não podem nunca estar dentro do contexto da argumentação, mas isso não deveria fazer diferença alguma, desde que a verdade também tem relevância fora do contexto da argumentação.


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Em sua última mensagem, Hoppe disse que se ausentaria para "longas viagens". Deixei esta última resposta, de todo jeito, e se ele responder quando retornar, adicionarei a resposta dele aqui. Entretanto, penso que, a essa altura, não há nada que ele possa responder que vá justificar a iniciação de agressão contra uns e não contra outros.

Caso deseje ler mais sobre o assunto, veja minha série sobre Ética e Direitos Animais. Embora esteja escrita no contexto dos direitos animais, ela lida com uma das questões mais fundamentais da Ética — o que torna alguém um sujeito de direitos? — e as respostas são válidas para qualquer dos outros casos complexos, como recém-nascidos, velhos senis e etc.

[rascunho] Dos Conflitos e das Tretas

 

Neste post reunirei algumas de minhas observações sobre um dos termos mais presentes no raciocínio dos anarcocapitalistas: o "conflito". Este post sera reorganizado futuramente.


Começando com um exercício mental: Se seu corpo fosse infinito, se regenerasse instantaneamente ao sofrer qualquer dano, pudesse inclusive mudar de forma livremente, etc etc. Ainda assim, se um sujeito te enfiasse uma agulhada nas suas costas você iria se opor a isso, teríamos um conflito.

Agora, voltando para o mundo atual: Por outro lado, se a agulhada não lhe causasse nenhuma insatisfação, a despeito de mesmo seu corpo ser escasso, não haveria conflito algum.

Embora muitos conflitos sejam sobre bens escassos, não é a escassez a fonte de conflitos, e sim a insatisfação (o que faz todo o sentido com a praxeologia, inclusive, pois toda Ação, inclusive a de conflitar, portanto, surge de um desconforto).

Conflitos surgem quando há duas reivindicações mutuamente excludentes sobre algo. Só. Se há alguma "escassez" envolvida aí seria no máximo a "escassez da lógica", que não permite que, por exemplo, uma pessoa seja xingada e não seja ao mesmo tempo. Este, aliás, é mais um exemplo de conflito que não é sobre bens escassos: ofensas.

Se um indivíduo reivindica alguma coisa de outro indivíduo, sem que esse outro indivíduo queira atender essa reivindicação, já temos um conflito.

Ancaps adoram o papo de que "a ética elimina conflitos", "uma ética correta não causa conflitos". Ética não elimina nem causa coisa alguma.

O que causa conflitos é a existência de duas vontades mutuamente excludentes sobre algo, ou seja, quando dois ou mais indivíduos agentes esperam obter maior satisfação de forma mutuamente excludente entre si (i.e., se um fica mais satisfeito, outro fica menos e vice-versa).

Assim, dados os conflitos, uma ética apenas nos diz qual lado tem razão e qual não tem.

Só isso. Tudo que ela diz é qual dentre aquelas vontades excludentes estará correta em prevalecer. Se o lado que não tem razão não gostar do veredicto ético, vai continuar conflitando.

Ancaps também gostam de dizer que não se pode aplicar a ética alguma categoria de indivíduos, que não se pode incluí-los no escopo da ética porque isso vai "causar conflitos". O conflito JÁ ACONTECE quando, por exemplo, o agressor resolve tomar as coisas da vítima. Incluir esta vítima sob os julgamentos da ética não causou conflito nenhum: tudo que a ética faz é avaliar quem está justificado e quem não está NOS CONFLITOS JÁ EXISTENTES.

Ethics and Animal Rights (4) - Response to Molyneux


Stefan Molyneux is the author of Universally Preferable Behaviour (UPB), a book in which he exposes a popular ethical basis among libertarians and makes some comments about animal rights. Let's deal with it in this post (you do not need to be already familiar with UPB to follow the discussion).

On page 91 of his book, Molyneux wrote:
"We do not have the time here to go into a full discussion of the question of animal rights, but we can at least deal with the moral proposition: “it is evil to kill fish.” 
If it is evil to kill fish, then UPB says that anyone or anything that kills the fish is evil. This would include not just fishermen, but sharks as well – since if killing fish is evil, we have expanded our definition of ethical “actors” to include non-human life. 
It is clear that sharks do not have the capacity to refrain from killing fish, since they are basically eating machines with fins. 
Thus we end up with the logical problem of “inevitable evil.” If it is evil to kill fish, but sharks cannot avoid killing fish, then sharks are “inevitably evil.” However, as we have discussed above, where there is no choice – where avoidability is impossible – there can be no morality. Thus the proposition “it is evil to kill fish” attempts to define a universal morality that includes non-moral situations, which cannot stand logically."
Molyneux's argument so far does not lead us to the conclusion that "killing fish" is an amoral situation, but only that SHARKS, as machines with no choice, could not be considered evil for killing fish. But what about the FISHERMEN that he mentioned and then "forgot"? They do have a choice, so they are not prevented from being considered evil for killing fish.

In other words, all Molyneux tells us is that sharks can not avoid killing fish, not that "killing fish" is necessarily, always, inevitable for everyone. We can express such an attempt to excuse humans from killing fish like this:
1. There can be no morality where there is no choice
2. Sharks have no choice about killing fish
3. Therefore, we cannot consider evil neiher sharks nor humans that kill fish.

Obviously, the inclusion of "humans" in (3) is completely not supported.
"Also, the word “fish” remains problematic in the formulation, since it is too specific to be universal. The proper UPB reformulation is: “it is evil for people to kill living organisms.” 
If, however, it is evil to kill, we again face the problem of “inevitable evil.” No human being can exist without killing other organisms such as viruses, plants, or perhaps animals. Thus “human life” is defined as “evil.” But if human life is defined as evil, then it cannot be evil, since avoidance becomes impossible. "
Maybe human beings can't exist in fact without killing "viruses and plants", but they certainly can survive without killing animals — as thousands of living vegans prove.

(Note here that Molyneux stopped dealing with inevitability by choice, as in the previous case, and started speaking of inevitability by survival: the shark coulnd't "avoid killing fish" presumably because of a lack of capacity for making ethical deliberations and seeking alternatives; in the human case, now, the inevitability is only because we would suposedly die by practicing avoidance.)

Now, even if the argument that "we can not live without killing animals" were true, it would be just a factually correct claim, which does not mean that it would be an ethically significant one: so what, if this or that is a necessary condition for life? For example, if I necessarily need someone's kidney to survive does that authorize me to take that kidney? I bet not. The question is not what aggressors need or do not need to live, but what is ethically valid.
"What if we say: “it is evil to kill people” – would that make a man-eating shark evil? 
No – once again, since sharks have no capacity to avoid killing people, they cannot be held responsible for such actions, any more than a landslide can be taken to court if it kills a man. 
In the same way, morality only applies to rational consciousness, due to the requirement for avoidability. "
This excerpt only reinforces the first answer given: it exempts from responsibility the shark that kills, fish or people, because he can't choose. But the point is to exempt people who kill sharks (or fish, or animals in general), people who can choose. A moral proposition like "it is evil for people to kill animals*" is still morality being applied to the rational consciousness of humans (i.e. moral agents), who can avoid this conduct — universally because it is evil to kill for all beings capable of avoidance, it is evil for them anytime and anywhere.

*You may find "killing animals" a too specific formulation to be universal, but if that is a problem, note that when Molyneux formulates something like "it is wrong for people to kill people," the term "people" is even more specific than "animals". In fact, the following occurs: the requirement of avoidability leads us to reduce the formulation to the most universal possible. The point is only that Molyneux reduced the universal to "attacking people" because he mistakenly took life as impossible without attacking animals. But it is possible.
"If I attempt to apply a moral theory to a snail, a tree, a rock, or the concept “numbers,” I am attempting to equate rational consciousness with entities that may be neither rational nor conscious, which is a logical contradiction. I might as well say that the Opposite Angle Theorem in geometry is invalid because it does not apply to a circle, or a cloud. The OAT only applies to intersecting lines – attempting to apply it to other situations is the conceptual equivalent of attempting to paint air. 
In other words, misapplication is not disproof."
But one is not "applying a moral theory to snails, rocks or trees". Moral theory is being applied to the actions of moral agents (individuals with the ability to discern right from wrong and to be held accountable for their own actions), including when these actions affect irrational beings who cannot be considered moral agents, but are moral patients, like animals. We would be "equating these beings with a rational conscience" if we were arguing the moral judgments intended for their actions were the same as the judgments for our actions. But Molyneux himself clarifies the solution to this, when he talks about how sharks (as well as landslides) can not be blamed. Given this difference (correctly pointed out by Molyneux, in fact) it is clear that there is no comparison.

Ironically, it is Molyneux's argument that shows itself as an undue equation, equating us with an irrational consciousness, if it tries to exempt us, rational, from responsibility based on elements that exempt the irrational...

All Molyneux has shown is that animal's actions, towards other animals or towards us, are not subject to moral judgment. But that is just not the question, but rather whether our actions towards animals are subject to ethical analysis. The claim that Molyneux had to deal with, but did not even touch, is that "it is evil for people to kill animals," or rather, "it is evil, for those able to avoid it, to kill, included when the victim is an animal."

Ética e direitos animais (4) - Resposta a Molyneux


Stefan Molyneux é o autor do livro Universally Preferable Behaviour (UPB), ("Comportamento Universalmente Preferível"), no qual expõe uma base ética popular entre os libertários e faz alguns comentários no assunto dos direitos dos animais. É o que vamos analisar neste post (você não precisa já estar familiarizado com o UPB para acompanhar esta discussão).

Na página 91 de seu livro, Molyneux escreve:
"Não temos tempo suficiente aqui para debatermos a questão dos direitos dos animais, mas podemos pelo menos lidar com a proposição moral: "é mal matar peixes". 
Se é mal matar peixes, então o UPB diz que qualquer um ou qualquer coisa que matar o peixe é má. Isso incluiria não apenas os pescadores, mas os tubarões também - uma vez que se matar peixe é mal, nós expandimos nossa definição de "atores" éticos para incluir a vida não-humana.
É claro que os tubarões não têm a capacidade de se abster de matar peixe, uma vez que eles são basicamente máquinas de comer com barbatanas.
Assim, acabamos no problema lógico do "mal inevitável", ou de ser "inevitavelmente mau". Se é mal matar peixes, mas os tubarões não podem evitar matar peixes, então os tubarões são "inevitavelmente maus".
No entanto, como discutimos acima, onde não há nenhuma escolha - onde a evitabilidade é impossível - não pode haver moralidade. Assim, a proposição "é mal matar peixe" tenta definir uma moralidade universal que inclui situações não-morais, o que não é suportado logicamente."
O argumento que Molyneux faz até aqui não nos leva à conclusão de que "matar peixe" é uma situação amoral, mas apenas que TUBARÕES, enquanto máquinas sem escolha, não poderiam ser considerados maus por matarem peixes. Mas e os PESCADORES que ele citou e depois "esqueceu"? Eles têm escolha, então não estão impedidos de serem considerados maus por matarem peixe.

Ou seja, tudo que Molyneux nos diz é que tubarões não podem evitar matar peixes, e não que "matar peixe" é necessariamente, sempre, inevitável para todos. Podemos expressar tal tentativa de escusar os humanos de matarem peixe assim:
1. Não pode haver moralidade onde não há nenhuma escolha
2. Tubarões não têm nenhuma escolha em relação a matar peixes
3. Logo, não podemos considerar como maus tubarões nem humanos que matem peixes.

Obviamente, a inclusão de "humanos" em (3) é totalmente infundada.
"Além disso, a palavra "peixe" permanece problemática na formulação, uma vez que é muito específica para ser universal. A reformulação adequada para o UPB é: "é mal para as pessoas matarem organismos vivos".
Se, no entanto, matar é mal, novamente enfrentamos o problema do "mal inevitável"/"inevitavelmente mau". Nenhum ser humano pode existir sem matar outros organismos como vírus, plantas ou talvez animais. Nesse caso, "vida humana" é definida como "má". Mas se a vida humana é definida como mal, então ela não pode ser má, uma vez que a evitabilidade se torna impossível."
Talvez o ser humano não possa mesmo existir sem matar "vírus e plantas", mas certamente pode sobreviver sem matar animais — como milhares de veganos vivos nos provam.

(note que aqui Molyneux deixou de tratar de inevitabilidade por escolha, como no caso anterior, e passou a falar de inevitabilidade por sobrevivência: o tubarão não podia "evitar matar peixes" presumivelmente por uma falta de capacidade dele em fazer juízos éticos, de procurar alternativas, já no caso dos humanos a inevitabilidade é só porque supostamente morreríamos se evitássemos.)

Agora, mesmo se o argumento de que "não podemos viver sem matar animais" fosse verdadeiro, ele seria apenas uma alegação factualmente correta, o que não significa que ele seria eticamente significativo: e daí que isso ou aquilo é condição necessária para a vida? Por exemplo, se eu necessariamente precisar do rim de alguém para sobreviver isso me autoriza a tomar o tal rim? Aposto que não. A questão não é o que agressores precisam ou deixam de precisar para viverem, e sim o que é ou não é eticamente justo.
"E se dissermos: "é mal matar pessoas" - isso faria com que um tubarão que comesse o homem fosse mau?
Não - mais uma vez, uma vez que os tubarões não têm capacidade para evitar matar pessoas, eles não podem ser responsabilizados por tais ações mais do que um deslizamento de terra pode ser levado ao tribunal se ele mata um homem.
Da mesma forma, a moralidade só se aplica à consciência racional, devido à exigência de evitabilidade."
Este trecho apenas reforça a primeira resposta dada: ele isenta de responsabilidade o tubarão que mate, peixes ou pessoas, por ele não poder escolher. Mas a questão é isentar pessoas que matem tubarões (ou peixes, ou animais em geral), as quais podem escolher. Uma proposição moral do tipo "é mal para pessoas matarem animais*" ainda é moralidade sendo aplicada à consciência racional de humanos, que podem exercer a evitabilidade dessa conduta — tanto a evitabilidade de escolha como a de sobrevivência.

*Talvez você esteja achando o "matarem animais" uma formulação muito específica para ser universal, mas se isso é um problema, repare que quando Molyneux formula algo como "é mal pessoas matarem pessoas", o termo "pessoas" é ainda mais específico do que "animais". Na verdade, ocorre o seguinte: a exigência de evitabilidade nos leva a reduzir a formulação ao mais universal possível. A questão é apenas que Molyneux reduziu o universal a "agredir pessoas" porque tomou erroneamente como impossível a vida sem agredir animais. Mas ela é possível.
"Se eu tentar aplicar uma teoria moral a um caracol, uma árvore, uma rocha, ou ao conceito "números", estou tentando equiparar a consciência racional a entidades que não podem ser nem racionais nem conscientes, o que é uma contradição lógica. Eu poderia muito bem dizer que o Teorema de Ângulo Oposto na geometria é inválido porque ele não se aplica a um círculo, ou a uma nuvem. O TAO só se aplica a linhas de intersecção - tentar aplicá-lo a outras situações é o equivalente conceitual de tentar pintar o ar.
Em outras palavras, má aplicação não é prova de invalidade."
Mas não se está "aplicando uma teoria moral a caracóis, rochas ou árvores". Está-se aplicando a teoria moral às ações de humanos (ou melhor, às ações de agentes morais) em relação a estes seres. Estar-se-ia "equiparando estes seres a uma consciência racional" se estivéssemos defendendo que os julgamentos morais destinados às ações deles fossem os mesmos dos julgamentos destinados às nossas ações. Mas o próprio Molyneux esclarece a solução para isso, quando fala sobre como tubarões (bem como deslizamentos de terra) não podem ser responsabilizados. Havendo esta diferença (corretamente apontada pelo Molyneux, inclusive) fica claro que não está havendo equiparação alguma.

Ironicamente, é o argumento de Molyneux que se mostra como uma equiparação indevida, equiparando-nos a uma consciência irracional, se tenta isentar a nós, racionais, de responsabilidade com base em elementos que isentam os irracionais...

Tudo que Molyneux mostrou é que as ações dos animais, frente a outros animais ou frente a nós, não são passíveis de análise moral. Mas a questão simplesmente não é essa, e sim se nossas ações frente aos animais são passíveis de moralidade. A alegação com a qual Molyneux precisava lidar, mas sequer tocou, é de que "é mal para pessoas matarem animais", ou, melhor dizendo, que "é mal para as pessoas matarem, inclusive quando a vítima for um animal".

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Lista completa, com mais artigos sobre o tema Ética e direitos dos animais.